Por entre os bombardeamentos na Líbia e o acidente nuclear no Japão, talvez seja uma questão menor que passe a ser pago o acesso ao New York Times na internet, apesar de ter sido gratuito ao longo de 15 anos. Exceptuam-se os assinantes da edição em papel. O risco de uma diminuição substancial dos 30 milhões de leitores do NYT na Web explica que se tenha mantido a gratuitidade para os internautas que se limitem a aceder a 20 artigos por mês e para os que cheguem aos textos via Google (máximo:5 textos) ou redes sociais como o Twitter ou o Facebook. O hábito de ler notícias grátis não será fácil de modificar, mas o jornal de Sulzberger, apesar de se arriscar a perder o lugar de primeiro website em audiência nos Estados Unidos, aposta na fidelidade do núcleo duro dos seus leitores. Esta nova estratégia resulta da perda de anúncios na edição em papel, que não está a ser compensada pela publicidade online.
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No dia seguinte ao anúncio, mais de duas mil pessoas apresentaram críticas de diferente natureza. O risco de aumentar o fosso entre ricos e pobres foi um dos inconvenientes apontados, embora se possa admitir que a audiência típica do NYT seja integrada por leitores com poder de compra suficiente para pagar as quantias estabelecidas para as diferentes modalidades de assinatura (entre 195 e 455 dólares por ano, consoante o "pacote" escolhido). Por outro lado, os estrategistas do Times calculam que 85 por cento dos leitores não chegue a atingir a fronteira dos 20 artigos grátis, o que demonstra que visam uma transição por fases.
É natural que certos leitores ocasionais se recusem a pagar a assinatura. Além do mais, instalou-se o hábito de receber informação gratuita, mesmo que seja fragmentária, insuficiente e sem garantias de credibilidade. Estarão os passageiros frequentes da Net dispostos a pagar por notícias e reportagens aprofundadas, investigadas e elaboradas em condições mínimas de autonomia?
Numa época em que a informação surge disseminada por uma quantidade muito diversificada de suportes, haverá procura bastante para viabilizar as formas tradicionais de investigação jornalística ou, pelo contrário, os potenciais consumidores tenderão a contentar-se com as notícias-relâmpago, muitas vezes emanadas de fontes não identificadas ou directamente interessadas nas matérias em causa?
É por isso que a opção de Arthur O. Sulzberger ultrapassa em muito o caso do próprio NYT e dos Estados Unidos. Abstraindo da sobrevivência dos jornais em papel, importa saber se o próprio jornalismo, enquanto actividade e modo de produzir informação, corre o risco de desaparecer, a médio prazo, diluindo-se no universo caótico das redes sociais e da blogosfera. Mesmo quem reconhece que o debate público na Web, mesmo quando decorre longe dos jornais e dos jornalistas, se baseia em dados obtidos pelas redacções tradicionais, nem sempre estará disposto a pagar por informação de qualidade, contentando-se com os fragmentos de noticias gratuitas que surgem nos Twiter e Face Book ou na blogosfera.
A necessidade de pagar pelo acesso ao NYT em linha também poderá afastar os leitores mais afastados da sua orientação ("liberal" em termos americanos, "centro-esquerda" no dizer europeu), que, naturalmente, contestam e discutem com maior agressividade os editoriais e as colunas das páginas de opinião. "Muitos desses leitores serão perdidos se tiverem de pagar e, dessa forma, a vossa capacidade de influenciá-los com bons argumentos será perdida", escreve um leitor europeu.
O NYT solicita ao leitor que veja no pagamento da assinatura um investimento que "fortalecerá a capacidade do Times para assegurar jornalismo de alta qualidade". Veremos qual será na prática o seu êxito, numa época em que já se argumenta com o surgimento de uma nova "economia da atenção", desenvolvida nas camadas de público mais jovens, predispostas a satisfazerem-se com pouco e decididas a não pagar por informação alguma. Estas novíssimas gerações leitores, "educados" pela Net e pela televisão comercial, são relutantes a textos longos e a análises aprofundadas. Por isso mesmo, o resultado desta nova experiência não interessa apenas aos Estados Unidos. Terá efeitos por todo o mundo.
