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Em poucos dias, quanto a pandemia e não só, o regime passou do "estado sólido" para o "estado gasoso". A improvável Temido, com certeza candidata a uma venera numa próxima ocasião, declarou que, afinal, o vírus não é o maior inimigo que enfrentamos. O maior inimigo é o medo. Seguiu-se o próprio primeiro-ministro, numa arruada melancólica pela Baixa de Lisboa. Num improviso para as televisões e para o sr. Medina, Costa convidou o indigenato a ser tão rápido a voltar à rua como foi a fechar-se em casa. Curiosamente, as pessoas, primeiro que o regime, intuíram o que estava a acontecer. E nem sequer esperaram pelas "regras" ou pelos "estados" para estabelecer o afastamento social e praticar, podendo, o retiro doméstico. Existe, antes, um saudável desfasamento entre a esquizofrenia do regime - menos apavorado com a pandemia do que com a crise que vem aí - e a cautela genérica que a população tem manifestado em matéria de saúde pública. O expectável é que essa cautela prossiga. Só a partir de hoje se poderá avaliar. Sucede que estes dois governos socialistas apareceram em nome da facilidade contra a austeridade. Por consequência, tudo que cheire a dificuldades deve ser exorcizado metodicamente. A grande distracção política, porém, rodou em torno dos 850 milhões enfiados no Novo Banco. Uma coisa que chegou até às presidenciais de 2021, e proporcionou umas horas de jogos florais no "meio" político, com ameaças de entradas e saídas de cena do magnífico dr. Centeno. O país, muito adequadamente, não entendeu. São todos tão extraordinários, isto estava a correr tão bem, o Orçamento com esta boda foi aprovado e agora armam uma telenovela pirosa com cenário numa fábrica de automóveis? Marcelo tentou explicar, de forma tortuosa e arrevesada, que não existe coordenação política no Governo, apesar da acrisolada declaração de amor à sua reeleição que tudo logo tapou. Todavia, não são as presidenciais ou as intrigas politiqueiras que estão na ordem do dia dos portugueses. Como Costa sabe disso melhor que ninguém, manobrou apenas para distrair, nem sequer hesitando usar um ministro seu, e o PR, para o efeito. Miguel Poiares Maduro, neste mesmo jornal, resumiu perfeitamente o exercício: "Não sabemos hoje mais do que sabíamos antes sobre o Novo Banco. O que conta é a pontuação artística. Tática e ilusionismo. A criação de factos políticos que se sobrepõem às questões políticas que o país enfrenta. Em que os problemas políticos parecem ser os problemas dos políticos e não do país".
o autor escreve segundo a antiga ortografia
*Jurista