Bem antes do fim da legislatura, foi dito e repetido por diferentes parceiros da aliança parlamentar das esquerdas que a "geringonça" seria irrepetível. A vitória socialista de 6 de outubro foi expressão do apreço da grande maioria dos eleitores pela ação do Governo chefiado pelo secretário-geral do PS ao longo da legislatura que agora finda.
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As eleições são o momento de prestação das contas devidas pelos representantes eleitos aos cidadãos que lhes confiaram a responsabilidade de conduzir os destinos do país. O entendimento entre as forças políticas da Esquerda não só garantiu o êxito da ação governativa como conferiu ao Parlamento efetivo protagonismo, promovendo uma inédita abertura da governação ao escrutínio público e a qualificação cívica do sistema democrático.
A vontade popular expressa no resultado das legislativas de 2019 foi interpretada de forma clara e sucinta por António Costa, logo na noite eleitoral, e por isso prometeu a continuidade das políticas e do método, o reconhecimento da importância do diálogo e da construção de consensos. Sem acinte, recordou ao Bloco de Esquerda que lhe cabiam especiais responsabilidades, considerando a denúncia que empreendeu ao longo da campanha eleitoral dos riscos de uma eventual maioria absoluta do Partido Socialista. Quanto à triste ascensão de André Ventura à deputação, foi definitivo: não quer nada com o Chega! É por tudo isso algo surpreendente a especulação em torno do anunciado fim de uma "geringonça" que apenas seria repetível caso as esquerdas se confrontassem com um PSD vencedor à frente de uma Direita minoritária e se o presidente da República, imitando o seu antecessor, exigisse a assinatura de compromissos escritos entre as forças da Esquerda para indigitar o primeiro-ministro.
Não aconteceu tal coisa! Pelo contrário, a Esquerda reforçou o seu peso parlamentar e o PS foi agora o partido mais votado. Não podia ser mais clara e inequívoca a vontade expressa pelos eleitores que confiaram ao novo Parlamento e ao seu Governo um mandato imperativo para dar continuidade às políticas executadas na legislatura anterior, para concretizar e desenvolver, designadamente, as leis de bases aprovadas em matérias tão relevantes como a saúde e a habitação, e para promover a descentralização administrativa no quadro das cinco regiões plano, conforme determina a Lei Fundamental.
Perante as ameaças que persistem contra a paz e a solidariedade internacional, é indispensável prosseguir no combate por uma Europa mais forte, mais próxima dos cidadãos e mais generosa para com aqueles que chegam de paragens devastadas pela guerra e pela ganância dos mais fortes.
*Deputado e professor de Direito Constitucional