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Contra todas as expectativas de uma opinião publicada, ignorante e distraída, o Mundo recomeçou a dar sinais de instabilidade um pouco por todo o lado. Os emergentes e putativos colíderes globais, a Rússia e o Brasil, começaram a ser sedes evidentes de conflito e tensão social. A estável Turquia, governada há mais de uma década pelo islamismo moderado de Ergodan, vê as estruturas fundamentais do Estado abanarem de forma dramática. A Venezuela só precisou do desaparecimento de Chávez para mergulhar no caos e na anarquia. A Ucrânia desaparecida há muito dos noticiários internacionais regressa à ribalta comunicacional mergulhada numa espécie de pré-guerra civil, agravada pela pressão russa na Crimeia.
Fukuyama e outros teorizadores da ciência política contemporânea erraram radicalmente as suas previsões do início da década de 90 do século passado. Essa antevisão do futuro, romântica e otimista, falava do "Fim da história". Antevia, pós-queda do império soviético, um futuro de permanente e homogéneo crescimento económico, num universo de paz. Graças às milagrosas e infalíveis economias sociais/liberais de mercado!
Uma década depois o extremismo religioso alimentou o impensável, o terrorismo suicidário generalizado, levado até ao coração das grandes urbes do Ocidente.
Agora, a multiplicação de focos de conflito, onde tudo parecia indiciar desenvolvimento e acelerada criação de riqueza, ameaça colocar quase tudo em causa.
Por que é que o Brasil, que explodiu para o desenvolvimento com Fernando Henrique Cardoso e Lula, se vê agitado por gigantescas e belicosas manifestações?
Por que é que depois da aceleração de bem-estar do primeiro ciclo Putin, o próprio novo "grande líder" viu a sua reeleição minada por contestação visível e turbulenta?
Por que é que a Turquia se encaminha para a agitação permanente, quando as aparentes boas prestações económicas faziam ressurgir a sua vocação imperial, estendendo a sua influência à recreação do Império Otomano - do Sul da Rússia ao Médio Oriente?
Por que é que a Ucrânia, potencialmente rica e demograficamente consistente, mergulhou no caos?
Por que é que a Venezuela, sem ter havido uma quebra brusca das suas exportações energéticas, nem intromissão evidente do seu arqui-inimigo ianque, caiu numa turbulência social descontrolada?
A resposta para tudo isto não é tão complexa quanto isso. Em primeiro lugar, nunca haverá "Fim da história" enquanto existirem homens, que consequentemente se mobilizam, umas vezes bem outras mal, na assunção da sua natureza. Depois porque a ascensão e queda das nações está sempre ligada a dois fatores estruturais conjugados: liberdade e valores.
Em todos os casos atrás referidos, é a consequência dessa má conjugação que está a lançar essas nações para o abismo. As persistentes tensões étnicas, linguísticas ou religiosas são obviamente importantes, mas como meros fatores desencadeantes.
A corrupção, o Estado tentacular e policial, a perpetuação ou a criação de novas e exuberantes assimetrias sociais ameaçam reduzir a escombros o enganador progresso dos últimos anos. Face a isso, estas crises sucederam-se também aos fatais e esperados abrandamentos de crescimento económico, ou mesmo recessão, de quase todas essas economias.
A Europa, como grande parceiro global, devia olhar com preocupação e atenção para estes perigosos sinais.
Preocupação porque tem responsabilidades no acompanhamento e magistério de influência que permita inverter a perigosa cavalgada para um tremor de terra político e social generalizado.
Atenção porque a forma como as suas políticas, e a falta delas, está a colocar em causa os alicerces do seu modelo de desenvolvimento, podem mostrar-lhe de forma dolorosa que a tal história feita também não se aplica definitivamente ao seu espaço vital. Políticas cegas de austeridade e multiplicação de injustiça social constituem um cocktail explosivo.
Em vésperas de eleições europeias, com a extrema-direita a recrudescer em toda a Europa, os mais responsáveis deviam recordar que um louco, alto, magro e de bigode, só foi derrotado há escassos 70 anos. "It happens one time it can happen again", ou seja, a história passa a vida a repetir-se, mesmo que com diferentes expressões.