O discurso do presidente do PSD e primeiro-ministro na festa do Pontal da última sexta-feira era aguardado com expectativa.
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O momento é de balanços, quer porque o país saiu já do programa de assistência, quer porque estamos a um ano das eleições legislativas, quer ainda porque na véspera o Tribunal Constitucional havia desferido a última de uma longa série de chumbos à ação governativa da coligação PSD/CDS. E Pedro Passos Coelho não fez por menos, brindando os presentes e o país com um autêntico 3 em 1: demitiu-se sem se demitir, apelou a uma reforma de consenso que não deseja e, por fim, lançou-se em campanha à distância de um ano das eleições.
Primeiro, a "demissão". A propósito do último insucesso na tentativa de cortar nas reformas, o primeiro-ministro declarou que a partir daqui não fará rigorosamente mais nenhuma proposta para reformar a Segurança Social até às eleições de 2015. Naquilo que alguns designam por "atirar a toalha ao chão", eu vejo uma demissão das suas funções enquanto líder de um governo. Não é aceitável este desfecho quando o que está em causa é uma decisão de um tribunal. Se Passos Coelho acha que já não consegue, só lhe resta a porta de saída. Tanto mais que o vice-primeiro-ministro Paulo Portas havia já manifestado publicamente a opinião de que o acórdão do TC deixava abertura para soluções "viáveis" e "justas", as quais seriam certamente encontradas pelo Governo. Em que ficamos? Quem lidera?
O apelo ao consenso foi outro dos momentos a reter. Este é um artifício que o Governo começou a exercitar com bastante frequência, aliás sob a batuta do presidente da República, sobretudo a partir do momento em que a sua linha de governação se mostrou inadequada para tirar Portugal do fosso. Antes disso, a coligação simplesmente ostracizou a Oposição, usando e abusando da sua posição dominante no Parlamento e reduzindo os seus deputados a verbos de encher. O exercício é simples: se o Partido Socialista morde o isco, o Governo recolhe os louros; se não morde, a culpa do insucesso será naturalmente endereçada à Oposição não colaborante. Este truque de principiante morre, todavia, logo à partida, pelo simples facto de o Governo desfrutar de uma maioria parlamentar e, portanto, ter a obrigação de governar em qualquer cenário.
O aproveitamento do chumbo da sua "reforma" das pensões para desafiar o partido socialista para desenhar, em conjunto e no último ano da legislatura, uma reforma da Segurança Social chega a parecer infantil. E também pouco credível, já que numa boa parte do seu discurso Passos Coelho desenvolveu uma narrativa histórica em que simplesmente arrasa os socialistas.
Por fim, o tom de campanha eleitoral. Na preparação da sua recandidatura, o presidente do PSD traçou um balanço da ação do Governo nos três anos que tem pouco a ver com o país real e com as premissas e propostas com que se apresentou ao eleitorado em 2011. Agarrou-se ao crescimento económico, ao equilíbrio da balança comercial e à baixa do desemprego. Mas em todos estes indicadores escondeu a verdade. Omitiu que o produto decresceu no primeiro trimestre deste ano. Omitiu que o crescimento está em desaceleração e que a comparação homónima com o ano transato goza do facto desse ter sido o período em que se bateu no fundo. Omitiu que em apenas três anos fez voltar o país aos tempos da emigração por necessidade, falseando assim as estatísticas do desemprego. Omitiu que a taxa de cobertura das importações está longe de ter encontrado um caminho sustentável. Omitiu o brutal aumento de impostos com que literalmente esmagou os portugueses. Omitiu a incapacidade do seu Governo de fazer reformas e, também, de administrar com alguma competência o país. Um arranque de campanha que promete, apenas e tão-só, mais do mesmo.
Este não foi com certeza o discurso com que Passos Coelho sonhou há três anos. Nem mesmo o corolário de uma trajetória desenhada num programa de assistência, religiosa e submissamente cumprido sob a vigilância de uma troika pouco competente, que acabou afinal por falhar em todos e cada um dos indicadores projetados em 2011. Se tudo tivesse corrido como Passos prometeu quando conquistou o poder, a última sexta- -feira teria sido bem mais colorida, os sorrisos mais abertos, os aplausos mais entusiásticos e o discurso mais verdadeiro. Assim não foi, infelizmente para o país, para os portugueses e, provavelmente, para o próprio Passos Coelho. O 3 em 1 do primeiro-ministro no calçadão da Quarteira não me convenceu.