A sangria do Portugal interior, se não quisermos recuar até aos Descobrimentos, acentuou-se com a emigração nos anos 60. E, depois, perdeu-se a oportunidade de fixar muitos dos que regressaram das ex-colónias no pós-25 de Abril. Foram obrigados a rumar ao litoral, onde encontraram emprego e melhores perspetivas de vida.
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Passado o período pós-revolucionário, com o desinvestimento nas Forças Armadas, fecharam-se os quartéis. Também o caminho de ferro passou a ser praticamente um privilégio da orla marítima, entre Lisboa, Porto e Braga, o que levou ao encerramento de inúmeras estações no resto do país. A falta de alunos decretou também o fecho de muitas escolas.
Os últimos a abandonar o meio rural foram os padres, por falta de vocações, e os presidentes da junta, pela reforma alegadamente imposta pela troika. Em quatro décadas de democracia, fizeram-se muitos investimentos no interior, mas não se acautelou o seu repovoamento. No entanto, a qualidade de vida fora das cidades do litoral é muito superior, exceto quando é preciso recorrer a serviços que pressupõem uma população que os alimente: escolas, hospitais e outros serviços públicos. Os cidadãos do interior pagam impostos como os outros, mas têm acesso cada vez mais dificultado a estes serviços.
O flagelo dos incêndios, no ano passado, revelou um interior despovoado e abandonado que já chega quase às portas das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. No final da semana passada, essas catástrofes provocaram mais uma vítima, na Sertã: a Maria dos Santos, que morreu de insuficiência cardíaca por não ter sido socorrida em tempo útil. O marido teve de percorrer dois quilómetros a pé para chegar ao telefone mais próximo - estavam privados desse meio de comunicação desde os incêndios!
Há dias, foram anunciadas algumas medidas para corrigir o abandono a que está votado a maior parte do território nacional. O Governo propôs uma diminuição de cinco por cento das vagas do Ensino Superior nas universidades e politécnicos de Lisboa e Porto, para obrigar os alunos a deslocarem-se para o interior. Propôs-se também um choque fiscal para promover a fixação de empresas nos territórios de baixa densidade.
Há também quem defenda uma reforma da Lei Eleitoral, com a criação de círculos uninominais. No atual sistema, todos os distritos que fazem fronteira com Espanha, de Faro a Viana do Castelo, elegem em conjunto 39 deputados, o mesmo número que o distrito do Porto. Que nem é o distrito que elege mais -Lisboa elege 47 deputados. Compreende-se por isso, numa cínica perspetiva eleitoral, que se faça cada vez maior investimento nesses dois círculos eleitorais e se esqueça todo o resto do país.
Para evitar que tal aconteça, alguns propõem que cada distrito eleja os mesmos deputados, o que implicaria uma maior atenção a todos por igual. Estas e outras propostas deverão ser ponderadas e implementadas o mais rapidamente possível para inverter as escandalosas assimetrias entre o interior - cada vez mais próximo do mar - e o litoral.
Entretanto, é necessário fazer algo - de imediato - pelas pessoas que vivem neste interior esquecido e negligenciado. Parafraseando o Papa Francisco sobre a economia atual, este abandono do interior mata.
* PADRE