A popularidade do Governo espanhol baixa a cada dia que passa, as divisões no interior do PP (de direita), no poder em Madrid, são cada vez mais acentuadas e o país começa a ser contestado além-fronteiras e pressionado pela União Europeia. Por causa da crise económica que também afeta os nossos vizinhos? Não propriamente.
Corpo do artigo
No centro do turbilhão político e da contestação social está a nova lei do aborto. Isto, apesar de o titular da pasta da Justiça, que engendrou a alteração legislativa, justificar surpreendentemente a proposta com a necessidade de dar um impulso à economia de Espanha. A ideia, que parece rebuscada e complexa, é simplesmente um retrocesso legal e social que teve o mérito de colocar quase toda a sociedade espanhola contra.
Explique-se, então, o que passou pela cabeça do ministro Ruiz Gallardón: ele acha que o aumento da taxa de natalidade teria um impacto positivo nas contas do país que, por pouco, escapou do resgate financeiro. E como pensa Gallardón fazer aumentar os nascimentos? Mudando a lei do aborto, obrigando, assim, a Espanha a recuar nesta matéria até aos idos tempos do franquismo e, de uma assentada, colocar-se na cauda da Europa.
Numa altura em que a esmagadora maioria dos países da União Europeia (Portugal incluído) adota legislação cada vez menos restritiva - que Bruxelas gostaria de ver transformada em política comum -, eis que Madrid decide criminalizar a prática do aborto. De direito da mulher, o aborto passa a delito. E a interrupção da gravidez só será admissível em caso de grave perigo para a saúde da mãe (até às 22 semanas) ou em caso de violação (12 semanas).
A indignação generalizada só não foi antecipada pelo Executivo de Mariano Rajoy, ele próprio dividido sobre o assunto. Gallardón explica: "A maternidade livre faz das mulheres autênticas mulheres". Significará isto que, para uma mulher ser livre em Espanha, o Governo acha que ela tem de ser mãe. Sejamos objetivos. A iniciativa da direita espanhola não está sustentada em pareceres médicos ou jurídicos. Limita--se a atribuir à mulher os mesmos direitos de um ser sem personalidade jurídica que, segundo a lei do país, só será adquirida após o nascimento. É, tão-somente, uma ação ideológica.
A trapalhada é geral e promete multiplicar-se, até porque, enquanto a nova lei criminaliza a prática de aborto, o ministro Gallardón afirma que a mulher é vítima e, depreende--se, não pode ser culpada. Então em que ficamos? Quem aborta comete um crime que não vai merecer castigo? Demagogia pura. Em Espanha, como cá, há separação de poderes. O que dirá o ministro quando um juiz mandar para a cadeia uma mulher condenada por aborto?
Com tantas contradições, não admira que o chefe do Governo tenha vindo já admitir que a nova lei "é suscetível de melhorias". A esmagadora maioria dos espanhóis acredita até que Rajoy venha a recuar significativamente. Nós, europeus, agradeceríamos.