Está instalada a sensação de que os grandes números não têm correspondência concreta com a realidade económica e ainda menos com a social que vivemos. Eis o que deveria merecer um bom combate político, coisa que está longe de poder acontecer porque os partidos do chamado arco da governação sentem a necessidade de se mostrarem imaculados aos olhos dos eleitores e por isso persistem no método de passar culpas, na esperança [até esta crise muito recompensada] de que essa demagogia produza efeito a ponto de nos desmemoriar.
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E que, a exemplo de anteriores ciclos, a próxima chamada às urnas redunde num quadro de resultados eleitorais semelhante e basicamente ditado por duas ideias: a de que são todos iguais, e que tem estado na origem de sucessivas subidas dos níveis de abstenção, ou, então, a de que não há alternativa de Governo que não seja patrocinado pelos partidos mais ao centro, dos quais já sabemos que não querem arredar-se do antagonismo que faz deles polos da alternância de poder apesar das semelhanças com que o têm exercido.
Assim sendo, não parece haver espaço sério para explicar aos portugueses as razões pelas quais alguns dos mais emblemáticos números dos indicadores económicos sofrem desmentidos diários à luz da realidade social em que vivemos.
É verdade que a Igreja Católica, em especial o arcebispo de Braga, tem chamado à atenção para esta dessintonia.
É igualmente verdade que alguns ministros, a principiar pelo da Economia, têm sublinhado o perigo de embandeirar em arco.
Mas basta olhar para os números positivos da evolução do emprego apresentados como grande esperança de que estamos a dar a volta por cima, para percebermos a enorme pressão que está a ser exercida pelo marketing político das assessorias no sentido de fazer desses indicadores estrelas polares de uma nova e melhor vida para todos nós.
Pela teia de vínculos laborais permitidos, o emprego é um dos campos em que mais facilmente podemos manipular números, rebatizando-os e encaixando-os segundo as conveniências do tal marketing político.
Vejamos a realidade que poderá encerrar a ideia de que o emprego está aumentar. Deveremos falar de emprego no que respeita aos 400 mil portugueses que trabalham entre uma e dez horas por semana? Em vez de emprego, não estaremos a falar de ocupação?
Dirão os de sempre [os que acham mesmo que a crise é imputável a um desvario gastador de todo o povo, afinal] que mais vale ocupado do que desempregado.
Certíssimo. Mas não esqueçamos que, para além de esmagarem o preço do trabalho, essas ocupações contribuíram já para a destruição de 300 mil empregos a sério, ou seja, daqueles em que se trabalha entre 30 a 40 horas semanais.