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Nos últimos anos, sobretudo nos da troika e da pandemia, foram desaparecendo os veículos, as rubricas, as publicações e os programas que davam espaço à divulgação de cultura. Restam tão poucos que não enchem os dedos de uma mão. Tirando os cartazes na rua e o velho boca a boca, os artistas ficaram reduzidos às redes sociais e, no caso dos músicos, às rádios (que ou não têm praticamente audiência, ou só promovem a mesma vintena de artistas ultrapop). O problema é que as redes sociais, parecendo muito democráticas, não são um meio de divulgação confiável.
Não pagando, o alcance fica reduzido a menos de um décimo dos seguidores. Porque os seguidores não são dos artistas, são da rede social e é o algoritmo que controla o que entrega a cada um. As pessoas recebem nos seus feeds todo o tipo de “sugestões”, menos os conteúdos dos artistas que escolheram seguir. Sendo que esses mesmos artistas, tolhidos no alcance, passam anos a trabalhar num livro, numa peça, num disco ou num filme, para acabar a tentar comunicar com o seu público, desesperadamente, no meio de fotos de sushi, rotinas de skincare e vídeos de uns gatinhos fofos.
Claro que no caso dos artistas mais mainstream, com um tipo de conteúdo mais próximo da lógica vigente, ao estilo “influencer”, ou com um público mais adolescente que engaje mais, divulgar o trabalho pode tornar-se mais fácil. Mas para isso há que jogar o jogo, alimentar o algoritmo, postando mais, mostrando a rotina, coisas mais pessoais, na senda de criar interesse na persona para que, depois, haja interesse no trabalho. É perverso.
Na tentativa de criar alternativas há quem opte por voltar às newsletters ou até por criar grupos de contacto com os fãs mais fieis em plataformas como o Telegram, mas ainda assim é quase inevitável depender das redes sociais para que um trabalho passe a “existir” para o público. Há pouco quem faça o apelo, mas cada vez mais me parece importante sensibilizar o público para que exerça o seu poder de escolha, no sentido de favorecer e facilitar a vida aos artistas. Quer seguindo páginas de pessoas cujo trabalho é realmente interessante, quer interagindo mais com as suas publicações para “moldar” o algoritmo no sentido certo, quer espalhando a mensagem, comprando bilhetes de espetáculos, discos, livros e merchandising, para sustentar a atividade dos seus artistas favoritos.
Sei que soa a “se não podes vencê-los, junta-te a eles”, mas se repararem bem, eu comecei por dizer que é importante apoiar a presença desses artistas online, mas rapidamente passei para o mais importante: a muitas formas de apoiá-los na vida real. Ora, na era da inteligência artificial, preservar os artistas de carne e osso, que trabalham humanamente nas entranhas da realidade, não é só um ato de solidariedade, já é uma forma de resistência.