Nem sempre um bom aluno é irrepreensível. As boas notas, por vezes, não correspondem a assiduidade nas aulas, comportamento exemplar, cumprimento das orientações do professor. Há sempre um campo aberto às atitudes "desviantes" - embora datadas.
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O princípio aplica-se aos atuais tempos de exceção em Portugal e nos quais a troika aparece como a educadora e o Governo como o educando.
Pois bem. O programa curricular, chamemos-lhe assim, através do qual o país tenta validar a sua recuperação dispõe de regras rígidas, difíceis, e em que a tendência natural é para tentar encontrar escapatórias. É, no fundo, a aplicação genérica da ideia de que o Governo mostra-se forte com os fracos e fraco com os fortes.
Há, no entanto, um tempo para tudo - até para ir a exame. E não há melhor para evitar o chumbo do que inverter o caminho, ser aluno aplicado.
Em circunstâncias assim, tão especiais, merece relevo o facto de o Governo, como bom educando, ter ontem feito o corte radical com a ideia instalada de que era incapaz de também se tornar num respeitável chefe de turma.
Assinale-se: após meses e meses de chicana política, o Governo contrariou a ideia geral de ser impotente para combater os grandes (e gordos!) interesses instalados. Aponta de facto para um bom caminho a aprovação pelo Conselho de Ministros de um conjunto de decisões destinadas a pôr fim às célebres e iníquas rendas alimentadoras de lucros milionários do setor energético à custa de pesadas faturas dos consumidores, sejam eles particulares ou empresas.
Sim, o aluno, isto é, o Governo, teve finalmente a coragem de cumprir os ditames do professor, a troika.
A estimativa de uma poupança de 1800 milhões de euros até 2020, correspondendo a uma redução da ordem dos 5% ao ano na fatura elétrica, pode acabar por não se repercutir de forma direta no bolso dos portugueses; mas o corte das rendas é, por si só, uma decisão no sentido certo - o de generalizar os sacrifícios a que o país está obrigado.
A decisão do Conselho de Ministros derruba um tempo de expetativa sobre se o primeiro-ministro teria a coragem, em nome de uma certa justiça social, de beliscar ao menos uma parte de alguns grupos privilegiados.
O setor energético vai, com certeza, reagir - por mais negociações de bastidores que tenha havido.
Será muito interessante seguir os próximos episódios, especialmente depois de ter ficado no ar uma nova garantia dada pelo ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira: a de que o Governo "não cede a chantagens"....
Logo se vê.