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Assim era considerado Juvenal Peneda (prematuramente falecido esta semana) na Galiza. Teve uma carreira profissional e política rica e variada. Conheci pouco de muitas dessas fases mas testemunhei a fase final da que desenvolveu, durante muitos anos, na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte ao serviço da cooperação transfronteiriça.
A relação desigual do ponto de vista da natureza política e administrativa dos dois territórios, que de um lado têm uma comunidade autónoma inscrita na Constituição espanhola de 1978 como uma das comunidades históricas (ao lado da Catalunha, País Basco, Comunidade Valenciana, Andaluzia, Canárias ou Aragão), com poder legislativo e executivo eleito e independente, e do outro uma região que só tem fronteiras oficiais para efeitos de planeamento, faz desta Eurorregião um fenómeno económico, político e social que só pode ter sido reconhecido como resultado de uma ação coletiva visionária, corajosa, empenhada e criativa.
E se a ação foi coletiva, nunca ninguém faz nada sozinho, é claríssima a liderança da Comissão de Coordenação do Norte e do seu presidente (eng. Luís Braga da Cruz) e, no plano executivo, do seu gabinete de cooperação liderado pelo eng. Juvenal Peneda.
Por mais estranho que possa parecer, sobretudo às gerações mais novas, a fronteira entre Portugal e Espanha no Norte foi, até ao tratado de adesão à Comunidade Económica Europeia, uma linha de rígida separação entre comunidades imiscíveis.
As memórias coletivas que fixamos, julgo que sobretudo no Norte, sobre a Galiza e os galegos não foram simpáticas. Os galegos eram invariavelmente reportados como trabalhadores braçais, protagonistas frequentes de anedotas mais ou menos absurdas, quase sempre os mais brilhantes exemplos da justeza do provérbio mais lato "de Espanha nem bom vento, nem bom casamento".
Fisicamente ir à Galiza contava como primeiro carimbo no passaporte, a ponte sobre o rio Minho era uma estrada a que se chegava depois de uma fila infernal para mostrar os documentos na fronteira, e as placas "bem-vindo a Portugal" e "benvido á Galiza" pareciam-nos monumentalmente diferentes.
Depois havia o estrangeiro. E o estrangeiro (que era o que significava ir a Tui) parecia-nos invariavelmente pobre, apesar dos caramelos, do azeite, do bacalhau ou das Galerias Preciados.
Eu, pessoalmente, odiava as bolachas "La Cuétara" que me obrigavam a engolir.
Até 1986, e mesmo alguns anos depois, o Norte de Portugal e a Galiza agarravam-se à fronteira e, pelo menos deste lado, a fronteira era a defesa que nos permitia olhar sobranceiramente, senão com menosprezo para os vizinhos Galaicos.
Hoje, falamos orgulhosamente de uma Eurorregião, com mais de seis milhões de habitantes, permeável nas comunicações, fervilhante nas trocas comerciais e económicas, convicta do seu passado linguístico e histórico comum e identitário, vinculada pelos laços entre as suas instituições académicas e científicas e a evoluir, a passo seguro, para um verdadeiro centro de recursos que promoverá a partilha de equipamentos e infraestruturas, otimizando serviços e melhorando a competitividade dos territórios.
O espaço entre um sentimento e outro foi construído a partir de um sem-número de projetos, estudos, ideias, encontros, festivais, cimeiras, desafios e propostas, gerados a partir da Comunidade de Trabalho Norte de Portugal-Galiza criada em 1991 entre a CCDR-N e o Governo Autónomo da Galiza.
Não tenho a menor dúvida que, dadas a assimetria política e institucional das duas entidades, só o entusiasmo, a criatividade, a dedicação e o esforço pessoal da equipa da Comissão de Coordenação do Norte permitiu que o projeto prosperasse de igual para igual. Na verdade, parecia-me (apesar das presidências rotativas) que o lado Português (nortenho) sempre liderava.
Não é por acaso que, a nível europeu, o exemplo de cooperação transfronteiriça entre o Norte de Portugal e a Galiza é considerado uma referência. E todos sabemos como, especialmente nos dias de hoje, as boas relações transfronteiriças são indispensáveis ao projeto de paz europeu.
O contributo de Juvenal Peneda em tudo isto foi muito importante e perdurará nos resultados que já foram nacionalmente apropriados por ambos os países. Do lado galego era considerado um amigo. O amigo do Norte.
Do nosso lado, é obrigatório que se lembre e justo que se honre!