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Nos últimos tempos tem--se acentuado a ideia de que, para ultrapassarmos com sucesso os desafios que se apresentam ao nosso país, é indispensável a participação ativa do Partido Socialista. Depois da mediação falhada do presidente da República para alargar o apoio parlamentar às políticas da coligação governamental, voltaram ultimamente a fazer-se ouvir muitas vozes que entendem que sem esse consenso alargado não poderemos regressar aos mercados e afastar, já no próximo ano, a hipótese de um segundo resgate.
Alguns empresários de relevo, de quem frequentes vezes colho opinião sobre a sua visão para o nosso país, têm-me feito sentir a sua dificuldade em perceber a falta de diálogo construtivo entre o Governo e o PS que permita antever uma saída sustentável para a crise em que nos afundamos. E, dizem eles, esse diálogo é agora ainda mais necessário porque temos pela frente, em 2014, um Orçamento do Estado muito difícil.
Sou dos que pensam que um tal entendimento seria vantajoso para o país e contribuiria para nos vermos livres da troika já nesta fase. Mas um acordo nestas circunstâncias, envolvendo o Governo e o maior partido da Oposição, para ser estável, requer desde logo uma condição - nenhuma das partes pode aparecer como a grande ganhadora ou como a grande derrotada. Unidos pelos superiores interesses do país, os partidos terão de fazer cedências e aceitar como relativo aquilo que têm, por vezes, assumido como absoluto. O que acabo de dizer é por de mais evidente e não parece que alguém genuinamente interessado numa séria concertação de posições possa pensar de forma diferente.
E assim aconteceu, esta semana, na Alemanha. A poderosa senhora Merkel, que obteve para a CDU-CSU um resultado eleitoral bem próximo da maioria absoluta e que deixou a 16 pontos percentuais de distância os seus adversários do SPD, tudo fez para conseguir envolvê-los numa coligação de governo. Não foi fácil, mas conseguiu. Com evidentes cedências, é claro.
Desde logo no Governo. Dos 14 membros que o constituem, 5 são para a CDU, 3 para a CSU e 6 vão para os sociais-democratas do SPD. Depois, cedendo aos adversários num conjunto de medidas emblemáticas pelas quais estes se tinham batido e que eram inclusivamente contestadas por fortíssimas corporações que lhe deram apoio, como aconteceu com o aumento do salário mínimo ou a redução da idade da reforma. Mas também o SPD teve que fazer cedências, a mais visível das quais foi, sem dúvida, ter deixado cair a sua propagandeada aposta nas eurobonds.
A verdade é que, após duras negociações, o acordo foi celebrado, sendo que o Governo que daqui resulta conta com o apoio de mais de dois terços dos eleitores alemães.
E por cá, atravessando nós uma situação tão difícil, não será possível replicar o bom exemplo?
Esta semana encerrou-se o debate sobre o Orçamento do Estado para 2014. Sendo provavelmente o mais duro e mais indefensável politicamente dos orçamentos aprovados nos últimos anos, esperava-se da Maioria uma posição de abertura que permitisse envolver o mais possível os partidos com assento parlamentar e, sobretudo, o PS. E assim pareceu, inicialmente. O Governo começou por definir a sua linha vermelha para aceitar propostas alternativas àquelas que apresentou no OE, exigindo que quaisquer alterações a apresentar fossem financeiramente neutras. Ou seja, não poderiam ter consequências no valor do défice apresentado.
Pois bem. O Partido Socialista apresentou 26 propostas de alteração cujo impacto na despesa aparecia compensado por idêntico valor na receita. Medidas sensatas por que sempre se bateu, como a renovação da cláusula de salvaguarda do IMI, o mecanismo de pagamento das dívidas do Estado às micro e pequenas empresas, a redução do IVA da restauração ou o prolongamento do subsídio social de desemprego em situações especiais.
Das 26 propostas de alteração apresentadas pelo PS, 23 foram rejeitadas e das três que passaram, duas eram também propostas pelos partidos da Maioria. Passou a que procura harmonizar o preço do gás em garrafa com o do gás natural. Convenhamos que como sinal para aproximação do Governo ao maior partido da Oposição, é o mesmo que cavar um fosso entre ambos. E com a restante oposição, foi igual. Das 349 propostas de alteração que apresentaram, passaram cinco.
É hoje claro que este Governo não pretende consensos para alargar a base social de apoio às políticas que prossegue. Quer tão-só mostrar quem manda e partilhar impopularidade. Não é procurando esmagar e apoucando os adversários que se dão passos para o diálogo indispensável a um tão desejado entendimento.