O apelo de Paulo Rangel para que o Norte se erga e junte na Avenida dos Aliados para mostrar que existe entrou com facilidade no coração de muita gente. Não faço parte do grupo dos que se comoveram. Se tivesse que escolher entre o purismo ou o taticismo da intervenção de Rangel, escolheria bem mais depressa o taticismo. Ora, se há coisa de que o Norte não precisa é, justamente, ser usado como alavanca política de interesses escondidos.
Corpo do artigo
Paulo Rangel chega um bocadinho tarde ao debate. E, curiosamente, chega na altura que mais lhe convém. O ex-candidato à liderança do PSD integra a ala do PSD que trabalhou para que Rui Rio sucedesse a Menezes na liderança do partido. Rio preferiu ficar pelo Porto, por entender que o país não estava preparado para as reformas que ele achava decisivas. Avançou Manuela Ferreira Leite, com os resultados que se conhecem.
À medida que se desfaz - e a que velocidade! - a capacidade de Passos Coelho levar o barco a bom porto, crescem, dentro do PSD, os sinais de marcação à zona, que um dia destes passará a marcação homem a homem. Bem ou mal, o caminho paras as reformas está desbravado. Os portugueses interiorizaram o inevitável: os anos que aí vêm serão de uma dureza difícil de prever há dúzia e meia de meses. Essa predisposição, digamos assim, para o sacrifício facilita muito a vida a quem, como Rio e Rangel, entende que a mudança de protagonistas é condição indispensável para o sucesso. Do país, mas também deles.
E o Norte no meio disto? O estado degradado, para dizer o mínimo, da região é apenas mais uma das possíveis frentes de luta. Não há mal em combater o aterrador centralismo do Governo a partir do Norte. Desde que, parafraseando Mário Cesariny, isso se faça procurando "uma grande razão". Ou várias pequenas. Grandes e pequenas razões, culpas próprias e alheias existem para todos os gostos. O capital de queixa do Norte é gigante, seja ele dirigido a este ou a anteriores governos. Mas convém não nos deixarmos atropelar pela fúria, porque pertence aos principais atores da região uma não negligenciável quota-parte de culpa. Os silêncios de circunstância e de cumplicidade, a alocação enviesada de recursos financeiros e humanos em setores e instituições-chave da região, a política caseira do minifúndio institucional, tudo foi obra e arte de muitos dos que agora juram combater sem tréguas o centralismo do Governo.
O ponto a que chegamos pede a releitura do Manuel António Pina: "Já não é possível dizer mais nada / mas também não é possível ficar calado". O futuro da região (aquilo que nos estão a tentar vender é um modelo de regiõezinhas, quietas e caladinhas) depende das "razões" que encontrarmos para refundá-la.
É neste debate que Paulo Rangel está interessado? Humm...