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Alguns comentadores, dando boleia a certos atores políticos, sublinham, à obsessão, a fragilidade subjacente às conquistas macroeconómicas apresentadas pelo Governo. Se lhes é difícil rebater a surpreendente redução do défice das contas públicas, logo argumentam que isso foi obtido por truques contabilísticos, das cativações ao adiar de despesas. Se o turismo e as exportações ajudaram, isso é visto como algo em que o papel dos agentes públicos foi mínimo. E até a quebra do desemprego é mostrada como um mérito quase exclusivo dos agentes económicos. O Banco Central Europeu é o "bom da fita" no tocante à descida das taxas de juro, mas já desaparece do radar quando elas sobem, então regressando as culpas nacionais, pelos efeitos nefastos da geringonça e os malefícios da governação. O mesmo comissário europeu que era "prudente" nos avisos ao Executivo passa a complacente comparsa quando elogia o que foi conseguido. E o presidente da República, claro está, é já "um deles".
Portugal dispõe hoje, no comentário económico (já que o jornalismo económico - analítico, neutro, descritivo, interpretativo e equilibrado - quase que acabou), de um conjunto pouco comum de "sábios", que praticamente leem quase todos pela mesma cartilha e cuja visão enviesada os inabilita a fazerem "mea culpa" quando a realidade os contradiz. Bastou ver o seu penoso embaraço perante o défice, o fracasso da expetativa de que as autoridades europeias não autorizariam a recapitalização da Caixa, a sofreguidão com que levam para título todos os sinais externos que possam minorar a falência das previsões tremendistas com que nos inundaram. Aliás, se os jornais, televisões e sites soubessem fazer uma gestão mais racional, deviam exigir de volta a essas "cassandras" o que lhes pagaram durante horas de previsões falhadas. Talvez da próxima vez tivessem tendência a ser mais prudentes...
Então está tudo bem?, perguntará o leitor mais cético. Longe disso, admito sem o menor problema. Grandes questões estruturais que afetam a competitividade da nossa economia estão por resolver, continuamos a ver sinais apenas tímidos em matéria de investimento produtivo financiado do exterior (agora que a fase da mera aquisição de ativos parece esgotada), o peso insuportável da nossa dívida faz com que o respetivo serviço pese no défice e limite o investimento e a desejável melhoria das políticas públicas.
Mas as coisas estão ou não melhor? Afinal, quando as instituições europeias, sem negarem as dificuldades, são as primeiras a reconhecê-lo, que raio de tropismo masoquista leva alguns a serem mais papistas do que Papa?
Na minha terra, havia um dito que se aplicava àqueles com quem perdíamos a paciência: "Quem lhes atasse um arado!"
*EMBAIXADOR