O ator e o sistema em viagem para a colónia virtual
Apresento hoje, dia 20 de janeiro, pelas 18.30 horas, na Livraria Tantos Livros em Lisboa o meu livro “O ator e o sistema na sociedade digital, o risco de colisão iminente”. As reflexões que se seguem resumem o essencial da minha intervenção.
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1- Vivemos um período único do nosso tempo, em que a história longa das grandes transições paradigmáticas se cruza e interage com as mudanças rápidas e a velocidade vertiginosa da história curta. Nesta interação inusitada e intensiva o ator prevalece sobre o sistema, os acontecimentos e os fenómenos prevalecem sobre a ordem e a estrutura das coisas e dos seres vivos (a relação saudável entre a cidade e o cidadão está em risco de se perder).
2-Nesta interação inusitada, somos, cada vez mais, seres migrantes em viagem para o ciberespaço, colónia virtual ou sexto continente. Nessa viagem somos convertidos ou convertemo-nos, alguns de nós, pelo menos, em passageiros clandestinos e caçadores furtivos. Nessa viagem vamos à procura de realidade aumentada, virtual e imersiva onde possamos proceder ao desdobramento da nossa personalidade e à multiplicação dos nossos heterónimos. É o tempo dos heterónimos-avatares dos atores narcisos.
3-Nessa viagem nem todos sabemos se vamos chegar ao nosso destino, há muitos acidentes e incidentes de percurso, alguns perdem a vida nesse oceano tumultuoso de informação, outros não têm literacia bastante escapar ao encantamento, à sedução e ao crime que circula através dos mercados e redes digitais. No mercado de trabalho, o trabalho digital torna-se, cada vez mais, uma categoria híbrida e líquida e surge uma nova geração de direitos que merece ser discutida.
4-Entretanto, a realidade passou a ser um assunto interpretativo, um vai e vem constante entre a verdade e a mentira, entre a verdade e a pós-verdade, imersas numa verdadeira vertigem informativa. No espaço mediático, onde tudo acontece e onde tudo parece decidir-se, não há tempo para a verificação e o escrutínio.
5-A revolução tecno-digital - digitalização, automação e inteligência artificial - atravessa transversalmente toda a sociedade, gera novas desigualdades sociais no acesso ao mercado de trabalho e altera substancialmente a estrutura de custos das cadeias de valor, e logo, a sua produtividade e competitividade, assim como a posição relativa dos atores em presença.
6-Perante este movimento geral de desmaterialização, de desintermediação, desinstitucionalização e desemprego provocado pela revolução tecno-digital não é surpreendente que assistamos a uma reação identitária, nacionalista e populista em nome da soberania e da proteção das fronteiras. A desterritorialização irá continuar e o número de refugiados climáticos, políticos e económicos também continuará a subir.
7-Estamos perante uma verdadeira guerra das inteligências, de um lado, as inteligências emocional e artificial, do outro, as inteligências, racional e natural. O resultado desta guerra é a hibridação das inteligências, a expropriação das linguagens, a poluição discursiva e a agitação cognitiva. O resultado está à vista de todos.
8-Nesta guerra das inteligências estamos a passar, gradualmente, de estado da matéria; da ordem e da estrutura do estado sólido para o estado líquido onde tudo é efémero (Zigmunt Bauman) e, agora, para o estado gasoso e volátil das bolhas e das nuvens da internet. Dito de outro modo, estamos a passar do velho silo vertical, industrial e administrativo, para o túnel digital do capitalismo das plataformas, enquanto aguardamos pela chegada da computação quântica e do pós-humanismo.
9-Face ao atual endurecimento dos regimes democráticos, designados como democracias iliberais, a combinação da pegada digital com o capitalismo de vigilância pode ser, deveras, explosiva. A Grande Loja do grão-mestre algoritmo pode transformar-se na guarda pretoriana dos novos tecnoplutocratas que se apresentam.
10-Agrava-se a crise epistémica das ciências humanas e sociais que se revelam incapazes de rever a sua missão e funções académicas face às profundas implicações e clivagens sociais desencadeadas pela revolução tecno-digital em curso, bem como a captura da esfera pública pelo espaço mediático. Estamos num período pós-estruturalista, de desordem e desconstrução dos modelos teóricos dominantes e ainda não encontrámos a via apropriada para as ciências humanas e sociais poderem ser mais inspiradoras, libertadoras e úteis nesta fase crítica que atravessamos em que a História Longa se cruza com a História Curta.
Ao leitor desejo boa viagem e boa leitura.