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É uma das pessoas de que mais gosto entre todas as que não conheço e uma das mais influentes na minha casa: ajuda-me a escolher séries e filmes, o "homem que mordeu o cão" deu-me luzes para arrancar com o "postal do dia" e são muito raras as pessoas que me fazem rir há tantos anos. Rir e pensar. Adoro a sua mãe, com quem trocava imensas mensagens e até cartas. E gosto da irmã, desempoeirada, livre, culta e inteligente. Podiam estar em Nova Iorque, Madrid, Berlim ou Londres que seriam reconhecidos pelo seu trabalho - talvez até mais do que aqui. São cosmopolitas dentro de um buraco pequenino onde todos precisamos de fazer o que for sendo preciso para sobreviver. Nuno teve um AVC. Podia ter morrido se o filho não estivesse em casa. Tem a minha idade, cinquenta e picos. É um tipo de quem se gosta, uma pessoa boa e talentosa. Uma notícia assim deixa-nos sem chão, sem saber muito bem o que dizer, fazer, pensar. Estamos bem e deixamos de estar. Nunca podemos dar nada como adquirido, caminhamos sempre no fio da navalha, há sempre um precipício à nossa frente sem que saibamos a quantos metros estamos da inevitável queda. Um tipo como o Nuno não morre. Não faria qualquer sentido se tivesse acontecido. O que faríamos sem os seus óculos de fundo de garrafa, sem os seus passos desajeitados, sem a sua genuína timidez, sem a sua presença de criança grande que acreditamos ter sido o nosso melhor amigo no liceu? Não, não faria sentido que tivesse morrido uma parte do que somos, teria sido demasiadamente cedo.

