O mundo está virado do avesso. As coisas reais perdem o sentido, dentro da lógica distorcida da sua sucessão. E é por isso que a ficção perde sempre para a realidade, porque precisa de uma certa verosimilhança para ser levada a sério. Enquanto a realidade pode ser totalmente absurda e paradoxal. Não deve explicações a ninguém, impondo-se imponderável e caprichosamente, sem que ninguém consiga organizá-la, dotá-la de sentido ou sentido de justiça. A realidade é o que ela quiser e, normalmente, é uma espécie de atropelamento. Abalroa-nos, esmaga tudo à passagem e deixa-nos irreversivelmente atordoados.
Só nestes últimos dias o absurdo da vida real manifestou-se em múltiplas esferas. Da geopolítica do mundo, à gestão autárquica, da justiça dos homens, aos fenómenos atmosféricos, foi um dominó-em-queda de caos, contradição e choro.
Desde logo pelo que se passa na Palestina. Sendo claro para qualquer humanista que exterminar o povo palestiniano para lutar contra o Hamas é o mesmo que dar um tiro na cabeça de uma pessoa para curar um cancro, pegar fogo ao armário todo para tirar as nódoas de uma camisa, cortar todas as árvores de todas as florestas para evitar um incêndio, arrancar todos os dentes da boca sem anestesia para tratar uma cárie. Seria como ter matado todos os bascos para acabar com a ETA, ou todos os irlandeses para acabar com o IRA. Seria como dizimar toda a humanidade para acabar com a guerra. Por não fazer sentido, é mesmo toda a nossa humanidade que está em causa.
No Porto, a gestão local continua a contrariar os dados e o bom senso, quer por manter a senda de alargar um sistema de videovigilância (já de si pidesco), insistindo na necessidade de controlar o crime, quando os números demonstram que a criminalidade em geral tem descido nos últimos anos, quer pelo paradoxo que se está a instalar na Avenida da Boavista, em que com as obras de expansão da linha do metro mingam os passeios para um metro. Isto para que o tráfego automóvel se mantenha intacto. Ora, numa das mais largas avenidas da cidade, teremos zonas em que o passeio é de viela, contrariando toda a política de mobilidade urbana que se pratica nas cidades realmente desenvolvidas da Europa, em que se dá prioridade às pessoas e não aos carros.
Já na (in)justiça, o juiz Carlos Alexandre condenou Mamadou Ba a pagar uma indemnização a Mário Machado, por dar como provada a acusação de difamação. O que quer dizer que em Portugal, no avesso do razoável, um ativista pelos direitos humanos é condenado por sujar o “bom nome” de um neonazi com um longo cadastro de crimes violentos, apenas por constatar os factos.
Ironicamente, a semana acabou com o clima a dar razão aos ativistas, porque desta vez não foi preciso sair com faixas para parar o trânsito, foi mesmo a tempestade que cortou as ruas, demonstrando que ainda que seja difícil aceitar, no fim a realidade impõe-se sempre.

