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De derrota em derrota eleitoral, quer como hecatombe, quer como perda relativa, a Esquerda (como um todo) parece estar em decadência em Portugal (como em grande parte do Mundo). O zeitgeist não favorece, já que o neoliberalismo cultural vigente tornou démodés os valores que a Esquerda defende (a ideia de bem comum, a importância da igualdade, o dever de solidariedade humana, a universalidade de acesso aos bens e serviços básicos), privilegiando a competição e não a cooperação e pondo a ambição individual (inspirada pelo endeusamento dos bilionários) acima da sobrevivência coletiva (numa civilização suicida que não freia diante dos problemas ambientais). Mas a Esquerda tem culpa por não saber comunicar com os desamparados do Estado Social, depois de não ter sido capaz de travar o seu desmantelamento e quando, os populistas, apontam bodes expiatórios para a degradação das condições de vida (causada pela própria insustentabilidade de um modelo capitalista, assente em desigualdades e afetado por crises cíclicas cada vez mais frequentes), a Esquerda vem defendê-los (irritando ainda mais aqueles que caem na conversa do bandido).
Decididamente o vento não está de feição: os financiadores estão do outro lado, patrocinando fortemente o crescimento da extrema-direita (porque o capitalismo já percebeu que prospera ainda mais em autocracias, sem direitos trabalhistas ou qualquer regulação, nomeadamente ambiental), a dinâmica vitoriosa e o embalo da curva ascendente dos opositores intimida, a derrota (mas sobretudo a vitória do outro polo) agiganta-se como uma inevitabilidade e, internamente, o sectarismo e os ressentimentos não facilitam os entendimentos que poderiam, pelo menos, reforçar as hostes e dar mais elã.
Já nos media, é clara a profecia autorrealizável que leva ao colo a extrema-direita e reifica a ideia de que a Esquerda está em decadência inevitável, ao mesmo tempo que se diminui o pluralismo e se puxa o diapasão para a Direita (veja-se a dispensa de Carmo Afonso do "Público", António Brito Guterres do DN, Patrícia Reis do Sapo, Ana Drago do DN, Catarina Martins da SIC Notícias e Raquel Varela da RTP) e o reforço correspondente de figuras de direita no comentariado nacional.
Posto isto, falta ensaiar um renascimento, uma mobilização interna que mobilize também o eleitorado. Voltar à rua, às associações, ao bairro, aos movimentos sociais, às organizações de trabalhadores, ao serviço comunitário, mas também a uma política fraterna, que galvanize pela convicção e que vá pelo viés da emoção, como fazem os populistas pelas baixas paixões, mas convocando as pessoas pelos valores humanistas. Além, claro, da união de esforços, do fim dos ressentimentos, da refundação comum de uma agenda política mais adaptada aos nossos dias, que nos exigem grande pragmatismo, o fim do sectarismo e os olhos no bem comum (para contrariar o zeitgeist).