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Na minha geração, velhíssima para os padrões actuais, por vezes entretínhamo-nos a criar, numas velhas caixas de sapatos, bichos-da-seda. As larvas eram exigentes no que tocava à gastronomia. Apenas folhas de amoreira branca, o que dava outro gozo à “criação”. Corria-se Lisboa à procura das folhas. Pedia-se a este ou àquele mais perto de uma que as trouxesse. Qual era o encanto do bicho? A larva, ou lagarta, depois de andar dias a encher o bucho, como que “cristalizava”, envolvida nos fios de seda. Virava crisálida. Após mais uns tempos de espera, da crisálida saía uma borboleta e a aventura perdia instantaneamente a graça. Sucede que é assim que vejo o extraordinário candidato à liderança do PS, o sr. Pedro Nuno Santos. Não sou só eu. Julgo que o próprio, os seus e a generalidade da Comunicação Social também o concebem assim. Na realidade, Santos vem de longe como a secular larva. Quando presidiu a essa sublime escola de virtudes políticas chamada “juventude socialista”, apresentava um arzinho de “nerd”, com óculos e aquele inconfundível tom de voz baritonal que viria a aprimorar nos últimos doze anos. Os alemães, por exemplo, ficaram a saber que havia em Portugal um deputado que os obrigava a tremelicar dos membros inferiores com receio dele. A Comissão Europeia, o FMI e o BCE, por seu lado, tomaram nota, por ele, de que a dívida é uma imensa metáfora inventada. Não aqui, na choldra, mas pelo capitalismo internacional tão adequadamente representado por aquelas três beneméritas instituições. Para Santos, Sócrates nunca existiu e Costa vai a caminho de deixar de existir. Nunca um político da cepa dura do regime se metamorfoseou em tão pouco tempo como ele. Até tem a apoiá-lo alguns idiotas úteis do PS preguiçoso, “consensual”, que se dizem “moderados”. Porém, o nosso bichinho da seda, para não ir mais longe, é um dos rostos mais emblemáticos da governação dos últimos oito anos. O rosto que representa politicamente os milhões enfiados na TAP e a caução a uma gestão duvidosa em litígio com o Estado português. O rosto de quem, um belo dia, e sem a autorização de ninguém, inventou a localização de um novo aeroporto, sendo imediatamente repudiado pelo seu primeiro-ministro. O rosto, finalmente, de um estrepitoso defensor de um Partido Socialista à moda do Bloco de Esquerda, entre duas farófias de aparência social-democrata e discreta. Vai, todavia, longe na fase de crisálida. Quando virar borboleta, veremos.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia