E, de repente, o "povo" começou a ser matraqueado com a possibilidade de o país ser gerido, novamente, por um Bloco Central (expressão que causa arrepios em muita gente). Isto é: por um Executivo que junte o PS e o PSD.
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Os arautos da coisa agarram-se a dois argumentos. Um: as sondagens mostram que os socialistas continuam a ser os preferidos para formar Governo. Podem fazê-lo sozinhos (uma loucura pouco recomendável nos dias que correm) ou acompanhados. Como não se vê muito bem o dr. Louçã a usar um discurso de Estado sem laivos de demagogia barata, como o CDS/PP literalmente se esboroa, como o PCP está fora de questão, resta o PSD de Manuela Ferreira Leite e Paulo Rangel. Segundo argumento: a experiência do passado não foi tão má quanto isso.
A hipótese tem sido ventilada por várias figuras públicas. O presidente da República falou da necessidade de os partidos encontrarem formas estáveis de governação. A líder do PSD parece ter entendido o recado e, ainda que de forma trapalhona, deu a entender que a possibilidade não a escandalizava (parêntesis para recordar que a mesma líder do PSD havia dito que só aceitaria participar num Bloco Central se "fosse doida"). O dr. Mário Soares também não vê grande mal no encontro governativo entre socialistas e social-democratas. Ontem, numa entrevista ao "Diário Económico", o dr. Jorge Sampaio juntou-se ao grupo formado pelos que não execram a solução, ao dizer que "pode ser necessário um Bloco Central para garantir estabilidade" no país. Lá isso pode.
Confesso a minha estupefacção com a pressa em trazer o tema para o debate político. Por uma vez, estou com o dr. Luís Filipe Menezes: a coisa roça mesmo o "absurdo". Por duas comezinhas razões. Primeira: assusta saber que PS e PSD partam para a disputa eleitoral sem força suficiente para conquistar os eleitores com as suas propostas para tornar Portugal um país mais saudável. Esse debate deve ser vivo e esclarecedor. Caso contrário, os eleitores terão a sensação de que tudo está decidido à partida - logo não vale a pena trocar um dia de sol pela trabalheira de ir votar.
Segunda razão: é óbvio que a prematura discussão sobre o Bloco Central lança na cabeça dos portugueses a velha e relha ideia de que, partilhando o Poder, PS e PSD partilharão todos os lugares, mais ou menos apetitosos, da administração pública. E, como se sabe, a teoria do "tacho" tem consequências nefastas para a democracia.
Só há, nesta altura, dois partidos que tiram proveito desta apressada e deslocada discussão: o Bloco de Esquerda e o PCP. Quem os quiser ajudar, pode continuar a perorar sobre os males e os bens de um Governo que junte Sócrates e Ferreira Leite. Um cenário, de resto, assustador.