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Paulo Portas empalmou o debate sobre o "Estado da nação" ou, pelo menos, os seus efeitos em telejornais e títulos de primeira página. O líder do CDS não se preocupou com a viabilidade da fórmula de governo sugerida. Aliás, um dos ingredientes que a compõem - o afastamento voluntário do primeiro-ministro José Sócrates - é difícil de imaginar, quando se conhece o estilo e o carácter do primeiro-ministro em funções. Portas não curou da eficácia da proposta, na presente conjuntura. Visava apenas o eco mediático, num momento em que, com as sondagens centradas no confronto entre o PS e o PSD, o "seu" CDS surge em plano marginal.
O "bloco central" dos anos 80 - mais precisamente de 1983 a 1985 - era bipartidário. O PS surgia como partido principal, com Mário Soares a primeiro-ministro e, em nome do PSD, Mota Pinto (e, depois da sua morte, Rui Machete) a vice primeiro-ministro. O Governo terá tido os seus méritos e ficou ligado à assinatura do tratado de adesão de Portugal à (actual) União Europeia. Mas, ao longo dos dois anos, em que subsistiu, o País viveu em constante turbulência política e agitação social. A guerrilha política resultava, não só da dupla estratégia do PSD, com um pé dentro e outro fora da coligação, mas também dos apelos ao reforço dos poderes presidenciais em torno da figura de Ramalho Eanes, que viriam a culminar na ascensão e queda do PRD. O descontentamento social provinha das medidas de austeridade, adoptadas pelo Governo, por iniciativa de Ernâni Lopes, ministro das Finanças.
Em qualquer caso, entre o "bloco central" bipolar dos anos 80 e à proposta de "bloco tripolar" agora imaginado por Paulo Portas medeia uma razoável distância. O "bloco" fundado em 1983 possuía um partido à sua direita no Parlamento, precisamente o CDS. A coligação imaginada por Portas poderia adoptar uma fórmula, outrora usada pela esquerda, em determinadas conjuntura: "não temos inimigos à direita" (pelo menos, se a reduzirmos à sua expressão parlamentar). A justificação para adoptá-la estaria nas medidas de austeridade, destinadas a cumprir as regras de Bruxelas com vista à redução do défice. Mas tal coligação imaginária, de tão deslocada à direita, na geometria do hemiciclo de S. Bento, não faria jus à designação de "central", quando muito "bloco tripolar".
Nesse cenário hipotético, com os três partidos do "arco governativo" comprometidos no Governo, a crítica política diminuiria, se todos os signatários do acordo se empenhassem por igual na eficácia governativa, em vez de se aplicarem, ao contrário dos hábitos nacionais, a incentivar o ruído mediático, com permanentes fugas de informação. Em contrapartida, o "bloco tripartido" fortaleceria os partidos à esquerda, em especial o PCP e o Bloco, faria aumentar a conflitualidade sindical, com greves e manifestações de rua, além de, eventualmente, provocar a ressurreição da "ala esquerda" do PS, entidade mítica que, por vezes, ameaça emergir à "tona de água", embora, por via de regra, permaneça submersa.
A proposta de Paulo Portas não continha qualquer intuito negocial, o que se evidencia logo no desafio directo à demissão do primeiro-ministro e ao pedido de indicação de um novo primeiro-ministro, "socialista moderado" (acaso o actual será um perigoso radical?). Enquanto "gesto político", a alternativa sugerida por Portas não existe, nem se destinava a existir, mas teve sucesso e consistência enquanto "acto mediático". Tudo o que é gente na cena política apareceu a comentá-la e, quase sempre, a rejeitá-la. Nem outra coisa seria de esperar. O próprio Presidente da República, por acaso o principal actor do fim do Bloco Central em 1985, não se antecipará aos partidos nesta matéria. Os sucessivos e diversificados apelos às coligações, a dois (PS mais PSD) ou a três (PS, PSD e CDS), vão fazendo o seu caminho, mas, salvo catástrofe iminente, a alternativa ao Governo de José Sócrates será, como já se percebeu, decidida em legislativas antecipadas, provavelmente após as presidenciais.
