Em 1983 o centro político do país não esteve para meias-medidas. À revelia do pensamento de Sá Carneiro e aproveitando o desfalecimento eleitoral de um CDS com menos 160 000 votos em relação a 1976 (o prenúncio da data das eleições a 25 de Abril não agourava o estrondoso sucesso enquanto partido-muleta que o "pré-PP" acabaria por ter, antes e pós-aluguer do táxi) o PS de Mário Soares aliava-se ao então PPD, formando aquilo a que se apelidou, desde então, como o Bloco Central.
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Podem tentar convencer-me do contrário: este centralismo de incidência parlamentar nunca foi desfeito apesar de, oficialmente, ter aguentado pouco mais do que dois anos.
Havendo ou não alianças, sendo mais forte ou ténue a oposição, com mais ou menos protagonistas para dançar o tango, sendo maior ou menor a fila de espera no banco de reservas em busca da nomeação política a que muitos parecem ter direito como se de uma liberdade fundamental se tratasse, acabamos por levar com a verdade na cara e em contramão: PSD e PS têm permanecido juntos e de braço dado no poder democrático que Portugal conhece desde o 25 de Abril.
Juntos, com os mesmos protagonistas, mais ou menos coligados, mais ou menos vezes, implícita ou explicitamente. É por isso que não são o Bloco Central. Para mim são (e digo-o publicamente há vários anos) o verdadeiro Bloqueio Central deste país.
São 16.42, a estas horas que escrevo. Até ao momento, à excepção das vezes que são raras e de algumas pessoas de inestimável valor e boas intenções (com a reserva do futuro da gente que virá e que me surpreenderá, decerto), não conheço nenhum movimento surpreendente de qualquer uma destas forças políticas desde que a vida política portuguesa resvalou, cada vez mais e tristemente, para uma mera "sondagencracia".
Não há qualquer vislumbre de surpresa na acção partidária do Bloqueio Central. Os únicos actos surpreendentes são as revelações da pior espécie: o escândalo e o compadrio, o jogo do faz de conta com a vida das pessoas, a mentira escancarada e a promessa que esconjura.
Para muitos, Portugal só interessa por ser o país onde não escolheram nascer mas onde, desafortunadamente, acabam por viver.
Ultrapassa o tacticismo e o despudor. Tem um nome feio. Ou vários. No fundo, são uma espécie de políticos "Avatar", diferentes consoante o contexto. Mas como o campo para o golpe de asa e o real interesse das pessoas já foi chão que deu cargos/assessorias/pareceres como de uva em vinha vindimada se tratasse, acabam por ser quase sempre o reflexo deles mesmos. Quase todos os políticos do Bloqueio Central, orelhas puxadas ao céu em cada ciclo eleitoral, não dispensam a mudança na cor da pele do seu "Avatar".
O Bloco Central de 83-85 não defraudou as expectativas de quem sentia na pele a degradação económica e social do país, a crescente taxa de inflação, os superiores índices de desemprego, os despedimentos e os salários em atraso, o regresso da fome. Nos dias de hoje e perante os mesmos problemas, a receita da solução central é semelhante: a negociação da dívida com o FMI para restaurar a confiança dos mercados internacionais. Em 2014 há, porém, um grande elemento diferenciador, a pós-moderna flexibilidade (ou mobilidade, para os crentes). Verdadeiro elemento de contenção dos salários em atraso, empurra--nos para a pergunta: para quê atrasar salários se hoje é bem mais fácil despedir?
A relação do Bloqueio Central com a poesia ou com a prosa é basicamente a mesma: dispensa a narrativa porque é previsível quanto baste. Mesmo quando José Rodrigues dos Santos convoca o peso da história recente com fórceps ou entradas a pés juntos perante José Sócrates. Mesmo com o apelo de Cavaco Silva à união do centro aquando da demissão "irrevogável" de Paulo Portas. Mesmo com o convite-larápio para o chá das 5 de Passos Coelho a António José Seguro, na semana das "divergências insanáveis" que passou. Estamos perante o mesmo cenário, espelho magnífico do programa das "novas oportunidades" para as "mesmas saídas" de sempre.
É evidente que o Bloqueio Central está condenado a entender-se, não é preciso chamar por eles na leitura da história do amanhã de Marcelo Rebelo de Sousa.
A taxa de risco de pobreza em Portugal, segundo dados do INE, aumentou para 18,7%, ou seja, há quase 2 milhões de pessoas em risco de pobreza. Seguro, na Convenção "Novo Rumo para Portugal", já se desvinculou da reposição dos salários e das pensões para os níveis de 2011. Como em 1983, tudo bloqueado.