No dia do aniversário do Papa Francisco, Raúl Castro e Barack Obama anunciavam, simultaneamente, em Havana e em Washington, o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos. As declarações públicas de ambos, ilustradas pela libertação de presos políticos nos dois países, foram muito contidas.
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Enquanto o presidente cubano manifestava respeito e apreço pela decisão de Obama, o presidente americano reconhecia o falhanço de uma política, velha de 54 anos, de aplicação de sanções económicas para forçar a mudança de regime político, seguida do rompimento das relações diplomáticas, em janeiro de 1962. A moderação do discurso não obscurece porém a dimensão histórica e a coragem patente neste gesto de que nenhum dos seus antecessores fora capaz, e que veio extinguir a derradeira relíquia da Guerra Fria. No Brasil, a "presidenta" Dilma Roussef falava de uma mudança civilizacional. Em Roma, um comunicado do Vaticano dizia que o "Santo Padre deseja manifestar as suas calorosas felicitações pela decisão histórica tomada pelos governos dos Estados Unidos e de Cuba de estabelecerem relações diplomáticas". Em Nova Iorque, também o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, felicitou calorosamente os dois presidentes e declarou que as Nações Unidas estavam prontas para "ajudar estes dois países a desenvolverem as suas relações de boa vizinhança".
É certo que o embargo não vai acabar tão cedo quanto se desejaria, porque não vai ser fácil revogar no Congresso dominado pelo Partido Republicano a lei obsoleta que há mais de meio século o decretou... ainda Barack Obama não era sequer nascido. Em contraste flagrante com o entusiasmo e a esperança suscitados por esta ousada inflexão estratégica voluntariosamente promovida pelo presidente, alguns congressistas da maioria republicana vieram já ameaçar que tudo farão para impedir o fim do "bloqueio" e a nomeação do futuro embaixador americano em Havana. Para o senador da Florida, Marco Rubio - um republicano de origem cubana - a decisão de Obama constitui uma absurda "concessão à tirania" que só vai contribuir para reforçar os "opressores". Tais sentimentos, contudo, são cada vez menos partilhados pela numerosa comunidade de imigrantes cubanos residente nos Estados Unidos e tornaram-se já claramente minoritários entre as gerações mais jovens que desejam a normalização das relações diplomáticas para reatar os laços rompidos.
Cuba tem vindo a desempenhar um papel liderante no combate ao ébola, destacando equipas médicas que, sob a direção da Organização Mundial de Saúde, foram para o terreno prestar assistência às populações da Serra Leoa, Libéria e Guiné. Foram também médicos e enfermeiros cubanos que estiveram na primeira linha do combate à epidemia de cólera no Haiti, em 2010, em consequência do terramoto que destruiu grande parte da ilha e deixou desamparada e sem abrigo parte substancial da sua população. E a assistência médica cubana só não chegou a intervir no apoio às vítimas das cheias de New Orleans, em 2005, apenas porque as autoridades americanas não autorizaram...
Num artigo de opinião recentemente publicado no mais conhecido jornal cubano - "Granma" - Fidel Castro apelava ao reatar do diálogo com o seu poderoso vizinho quando, sabemos agora, decorriam há mais de um ano conversações secretas entre os dois países, primeiro no Canadá e depois no Vaticano onde por fim iriam culminar com a bênção do Papa Francisco. Apesar de ser um pequeno país de 11 milhões de habitantes e de enfrentar uma situação económica muito difícil, dramaticamente agravada pelas sanções impostas pelos EUA, surpreendentemente, Cuba conseguiu manter os mais elevados níveis de educação dos seus cidadãos e construiu um sistema de saúde exemplar cuja competência e eficácia as Nações Unidas não se inibem de reconhecer e recomendar. Aqui temos um excelente tema de reflexão! Que nos sirva de contraponto para interpretar o "bloqueio" decretado noutras latitudes contra os gastos públicos na educação e na saúde, a pretexto de rigorosos constrangimentos orçamentais e da "vontade" anónima dos mercados financeiros.
PROFESSOR DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO MINHO