De repente, de bons alunos e parentes muito afastados dos gregos passamos a caso muito semelhante, com acesso pré-negado ao mercados que se empoleiram em taxas proibitivas e sem concessões da troika (segundo Draghi) não vão os mercados empoleirar-se ainda mais alto.
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Logo agora que o desemprego parece querer estabilizar, a época turística não correu tão mal como se esperava, o PIB subiu no segundo trimestre, as exportações continuam a querer ajudar e os impostos fazem a sua parte para o brilho da execução orçamental.
Mas a verdade é que o "Wall Street Journal" diz que "estamos a cozinhar um desastre" e que seremos o primeiro prato amargo a provar pela (re)novíssima chanceler.
A sétima avaliação da troika, ao contrário, ainda foi esperançosa e elogiou os progressos alcançados na consolidação orçamental, nas reformas estruturais e até nas esperadas iniciativas para a promoção do crescimento.
Mas nem aí temos um minuto de sossego. É que a troika ainda não tinha chegado para as próximas avaliações e já uma parte do que fora avaliado não se tinha prosseguido por razões constitucionais.
Deve mesmo ter sido o último relatório esperançoso porque à medida que nos aproximamos de junho de 2014 menos tempo temos para substituir as medidas que sistematicamente caem ou se atrasam ou demoram, legitimamente, a fazer efeito. E é por isso que de repente por causa das alterações climáticas, deixamos de ter outono antes do inverno.
Claro que se percebe o formalismo da esperança quando, por exemplo, o relatório do FMI finge que é possível acreditar em cortes de 1411 milhões de euros na despesa deste ano e de 3289 milhões de euros em 2014 e ao mesmo tempo esperar que o crescimento económico se faça não só à custa das exportações mas da descompressão da procura interna...
Mas tudo vai bem quando à custa deste formalismo se consegue desbloquear o pagamento de 657,47 milhões de euros. Ganha-se tempo e resolve-se a urgência do funcionamento do Estado. Qualquer um aqui chegado faria o mesmo.
O problema é que não podemos continuar a evitar a realidade. E a realidade é penosa não porque seja difícil fazer rapidamente (o tempo foi sempre uma variável muito maltratada em todo este processo) a economia portuguesa reganhar competitividade, porque seja difícil conviver com uma arquitetura constitucional eventualmente desajustada, porque seja quase impossível crescer com cortes tão significativos no rendimento disponível das famílias, com condições de crédito tão apertadas ou com uma carga fiscal tão enorme.
Talvez não fosse obrigatório cometer alguns dos erros mas seria sempre tremendamente difícil.
Não! O que é penosamente real é a incapacidade e a criminosa falta de vontade dos dois maiores partidos para se entenderem e alargarem esse entendimento aos restantes poderes políticos e sociais.
A única forma de reorientar a política e de garantir um reajustamento viável dos nossos compromissos teria sido, logo que houve o primeiro chumbo do TC ou pelo menos aquando do apelo do PR, um pacto de regime a médio prazo em nome de Portugal que definisse metas suportáveis e compromissos incontornáveis (nem que para isso fosse preciso rever a Constituição) suportados num Orçamento do Estado para 2014 apresentado a tempo e horas e que "lixasse" de facto para os efeitos eleitorais.
Mas não. Uns e outros recuaram aos seus poisos, cheios de razões e confortavelmente montados nos bodes escolhidos para a expiação: o partido que provocou a crise, o Tribunal que cisma em cumprir a lei, ou os resultados que são mesmo maus.
Mas ao contrário do estatuído na tradição judaica o bode não será deixado ao relento na natureza selvagem, levando consigo os pecados de toda a gente. Infelizmente será coletiva a expiação desta culpa original que apesar de tudo alguns se esforçaram por evitar e seremos todos, isso sim, o bode expiatório indefeso de um sistema financeiro que ainda tem muito a ganhar com dívida comprada a desconto e pontualmente paga na maturidade, com o nosso sacrifício, a taxas cada vez mais lucrativas.