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Num encontro com humoristas no ano passado, o Papa Francisco reforçou o que, dois anos antes, tinha dito na entrevista que concedeu a Maria João Avillez: que rezava todos os dias a oração de Thomas More a pedir o bom humor.
Mas, antes, a prece pede uma boa digestão e qualquer coisa para digerir. Pede saúde ou, não a havendo, paciência com o corpo. E uma alma simples, que ponha as coisas no devido lugar, aproveite o que é bom e não se assuste com o que é mau – uma alma imune a tédios, resmungos, impaciências e lamentações.
Através desta oração, o Papa Francisco, com o charme natural que tinha, o humor ao mesmo tempo jovem e ancião, queria manter diariamente aberta a janela de que falava na entrevista. “Olhem para o caminho sempre com a janela aberta”, disse a Maria João Avillez. “Não a fechem. Pergunto: Qual é a tua janela? Qual é a tua esperança? Não te ocorre? Então procura-a e cria-a! Não se pode viver sem esperança, não se pode viver sem esse ímpeto positivo.”
Sem a esperança, a janela que nos desencaracola, onde encontraríamos a energia, como nos mandaríamos inteiros para as pessoas e as maravilhas que nos são dadas a ver quase todos os dias? E para as tristezas, as misérias, as injustiças – para tudo quanto corrói, mas sem desistir, se achamos que há motivos para o bom combate.
Eu sei que o pessimismo é pantanoso e que, sem nos apercebermos, nos dá facilmente pelos joelhos. Com Trump e com tanto mais, em dois segundos aperta-nos pelo pescoço. Mas o pessimismo também é confortável e pouco ambicioso para a nossa construção interior, que queremos alegre, profunda, bondosa e sem limites, apesar das circunstâncias.
Dizia o Papa Francisco que a resposta contra o fechamento está no humor, outra palavra para a esperança. E que “é mais fácil rir em conjunto do que sozinho”. O humor, que o Papa pedia todos os dias, com medo de o perder mas esperançoso de que se mantivesse, aproxima-nos dos outros da forma mais desarmante. É um raio de luz a sair da janela que abrimos para o mundo.
Meia hora depois da morte do Papa, alguém comentava que já tudo tinha sido dito, como se a figura de Francisco tivesse sido engolida pelo frenesim mediático que em pouco tempo explode e em pouco tempo se apaga. Não sei se tudo foi dito, mas sei que urge repetir que o Papa Francisco foi um exemplo de bom humor. Por isso, um exemplo raro de boa esperança.
O autor escreve segundo a antiga ortografia