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Durante muito tempo, era tese comum entre vários comentadores políticos que o Brasil tinha perdido a luta pela democracia, depois da eleição de Jair Bolsonaro, por ser um país mais jovem e talvez mais permeável a investidas de um populista com aspirações a autocrata. Os famosos "checks and balances" dos EUA enchiam a boca de que afiançava, sem margem para dúvida, que os EUA tinham uma democracia muito consolidada e que aguentaria os embates titânicos de Donald Trump.
Chegados aqui, olhamos para a América, que aprendemos a apreciar por imposição cultural, e vemos um país a desmantelar-se, com um presidente sem noções de processo democrático, funcionamento da Justiça e que instintivamente usa as instituições públicas a seu bel-prazer, para questões ideológicas, mas também para obter lucro. Mas culpa não é só de Trump, mas também de quem o antecedeu, porque um país que passa pela invasão do Capitólio a 6 de janeiro de 2021 e permite que o mentor não tenha sido, sequer, muito importunado, já está doente. Conseguir uma reeleição é simplesmente surreal, mas se o deixaram concorrer, é preciso aceitar o voto.
Olhando mais para baixo no mapa, no Brasil, a Justiça não esteve com tibiezas quando o ex-presidente Bolsonaro ajudou a instigar a invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília, já sabendo que poderia estar em marcha um golpe de Estado. E mesmo sob a pressão inadmissível de um Estado estrangeiro poderoso, como os EUA, o tribunal pôde investigar, ponderar e condenar Jair Bolsonaro, com o Governo a deixar a Justiça correr o seu caminho. A decisão ainda é passível de recurso e nada disto põe em causa as falhas da Justiça e do Estado, que estão longe da perfeição, como é natural. Mais curioso é perceber que Lula da Silva, que por muitas vezes já critiquei por questões de política internacional, resolveu adotar uma posição pedagógica com Trump.
Num artigo de opinião publicado no "The New York Times", foi isto mesmo que o presidente brasileiro explicou ao homólogo: "não é uma caça às bruxas". É a democracia a funcionar e a proteger-se de quem a quer minar. Interferir politicamente nesse processo e deixar Bolsonaro livre depois do que se apurou até podia custar menos dinheiro ao Brasil, que agora enfrenta tarifas de 50% para exportar para os EUA, mas a longo prazo ia perder a liberdade. Em breve, tudo isto pode ficar desatualizado, mas até lá só resta elogiar a coragem e retidão de Lula.