O Brasil não pode distrair-se
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Ainda é cedo para tirarmos lições definitivas sobre o ataque primitivo ao coração da democracia brasileira, mas podemos, com algum grau de fiabilidade, acolher uma certeza: a insurreição dos movimentos antidemocráticos, respaldada no sectarismo bolsonarista, não irá esmorecer. Mesmo que o grito de alerta resultante deste assalto aos Três Poderes possa, de alguma forma, unir a nação em torno dos valores fundamentais ou, pelo menos, em torno da rejeição de práticas extremistas. Mesmo que a condenação, em uníssono, dos principais representantes do Estado brasileiro tenha sido acompanhada pelo repúdio do Mundo civilizado. A cultura de purga que alimentou aquele "punhado de imbecis criminosos", como apropriadamente lhes chamou, em editorial, o jornal "A Folha de S. Paulo", não se compadece com previsões académicas tradicionais.
O que aconteceu em Brasília foi a demonstração em modo "selfie" de que as páginas negras da História podem sempre ser reescritas por novos protagonistas, independentemente da latitude onde atuem. E, nesse sentido, devem constituir um alerta para quem toma a democracia como garantida. Não é. Não está. Continua a ser um processo em construção e aperfeiçoamento. No Brasil, nos Estados Unidos, na Europa. Entre nós.
O ataque ao Capitólio foi há dois anos, mas a via que serve esta turba sedenta de uma verdade alternativa continua desimpedida, assente no populismo, na desinformação e na convicção de que agem em nome do povo - ou de algum deus ou igreja -, e que todos os que não estão do seu lado, ou que não professam da mesma ideologia ou credo, não têm espaço nesse mundo imaginário.
Agora é o momento de o Brasil agir com firmeza e punir os que, à descarada e na sombra, patrocinaram esta vergonhosa ofensiva. Mas daqui para a frente o Brasil terá de aprimorar a vigilância a esse exército cultural mobilizado e organizado que jamais aceitará a derrota. O Brasil não pode distrair-se do Brasil.
*Diretor-adjunto