Até hoje, o sistema bancário suíço alimenta um mito muito conveniente. Segundo a lenda, a lei de segredo bancário suíço foi criada em 1934 para proteger o património dos judeus perseguidos pelo nazismo ascendente. Mas o mito é falso.
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Desde o final do século XIX que a cultura do segredo se enraizou nos bancos suíços, que assim puderam competir com os centros financeiros de Londres, Berlim ou Paris. Já nessa altura, o sigilo servia para proteger as fortunas dos impostos que começam a ser criados, por exemplo em França, sobre os mais ricos. Mais tarde, durante a II Guerra Mundial, o sistema bancário suíço, incluindo o seu banco central, aproveitaram a neutralidade daquele país para organizar a circulação do ouro roubado pelos nazis aos países ocupados, e mesmo aos judeus assassinados. Uma parte desse ouro terminou em Portugal, com a diligente ação do Banco de Portugal, e de vários outros bancos privados como o Espírito Santo ou o Fonsecas & Viana.
Em 1998, o Crédit Suisse, assim como vários outros bancos suíços, foi condenado a pagar uma compensação de 1,25 mil milhões de dólares aos familiares das vítimas do Holocausto por ter retido fundos indevidamente e até guardado os proveitos dos saques nazis. Mais tarde, o juiz que se ocupou do processo acusou estes bancos de o atrasarem e perpetuarem uma "grande mentira" ao negarem o seu envolvimento com o regime de Hitler.
Dez anos antes, o Crédit Suisse e outros bancos helvéticos já tinham sido envolvidos numa operação de lavagem de mil milhões de euros de um traficante turco-libanês. Mais tarde, foi apontado pelo seu suporte aos negócios do apartheid sul-africano, pela promoção de evasão fiscal na Alemanha e nos EUA, pelo financiamento a empresas violadoras dos direitos humanos, e pagou centenas de milhões de euros em multas por má conduta.
A investigação agora divulgada, chamada Swiss Secrets, vem completar o cadastro do Crédit Suisse, que surge como abrigo financeiro de ditadores, corruptos, traficantes e cleptocratas. Embora apenas Hélder Bataglia e Álvaro Sobrinho, ligados às atividades do BES e a vários outros esquemas financeiros, surjam divulgados por agora (as notícias referem a existência de 100 entidades portuguesas nas listas investigadas), o Crédit Suisse é um nome recorrente quando se fala de fuga ao fisco e lavagem de dinheiro em Portugal.
A corrupção e a evasão fiscal são um saque às democracias e uma condenação aos países mais pobres do Mundo. Apesar de todo o esforço de legitimação, o sistema financeiro continua a ser um instrumento desse crime organizado, e para isso conta com doses iguais de hipocrisia e inação dos maiores governos ocidentais.
*Deputada do BE