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Há 80 anos, João de Araújo Correia escrevia no "Comércio do Porto" que os ferroviários, na Régua, nesta altura do ano, tiravam as sardinhas das barricas e assavam-nas nos carris.
Retratava-se assim uma realidade a que o povo transmontano se acomodava, conformado com o velho apotegma dos "nove meses de inverno e três de inferno". Porém, o que hoje se vê é que os "três de inferno" embatem numa realidade nova. Desde logo, um terrorismo insondável nos seus propósitos. Gente de mal com a vida, gente sem alma, para quem a felicidade dos outros é o seu suplício, gente que desfruta da angústia de quem sofre. Gente para quem as cores da natureza, a beleza das paisagens, o ar puro dos pinhais, a melodia dos pássaros... apenas despertam esgares de repulsa ou de ódio. Se eu não sou feliz - dirão - que direito tens tu de o ser?
Quem não se arrepiou de ver os velhinhos do lar de S. Martinho de Anta, a terra-mãe de Torga, a serem retirados à pressa para fugirem do fogo? (Se o poeta ainda por cá andasse, que poema lhe ditaria a alma?)
Mas há também uma nova realidade que a comunidade científica designa como tipologia de "incêndios de sexta geração", também apelidados de "tempestades de fogo", fenómenos associados às alterações climáticas, que modificam a meteorologia no território, geram ventos erráticos, stress hídrico nos espaços florestais, o que aumenta a velocidade de propagação do fogo em todas as frentes.
E realidades novas requerem estratégias novas. Repensar a floresta com medidas alicerçadas no conhecimento técnico-científico é apenas uma delas. Paradoxalmente, os cursos de Engenharia Florestal no Ensino Superior continuam quase desertos. Os jovens fogem desta profissão como o diabo da cruz, apesar da necessidade acentuada dos agentes económicos na busca de tais profissionais. Se nada é feito para alterar este paradoxo, a floresta vai continuar ao deus-dará. E depois... é o que se vê.