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Julgo que foi ali pelo virar do século e do milénio que se começou a ouvir falar pela primeira vez desta então novidade: tratava-se de empresas de forte base tecnológica, fundadas e geridas por quadros altamente qualificados, na sua maioria com sólida formação científica, ancoradas no conhecimento gerado nas universidades, cuja transformação em produtos e serviços inovadores se propunham trazer para o mercado global.
A ideia e o conceito eram e são atrativos e havia, e de certa forma ainda há, uma aura quase mágica à volta destas dinâmicas associadas a um mundo novo e fantástico, o que, em boa verdade, na saúde tem forte adesão à transformação que tem vindo a acontecer nas últimas décadas.
Esta abordagem da inovação protagonizada pelas start-ups, que se insere numa onda mais vasta que poderemos qualificar de generalização, democratização e globalização da utilização do conhecimento, onde cabe a "open innovation", é, definitivamente, um dos mais promissores movimentos da transformação tecnológica a que o Mundo está a assistir e que, particularmente na saúde, já nos deu e vai continuar a dar muitas alegrias.
O modelo, em traços muito largos, procura agilizar o ciclo da inovação introduzindo dinâmicas de mercado e de competitividade em fases muito precoces do processo de descoberta, promovendo o protagonismo dos cientistas e despertando o seu espírito empreendedor. O financiamento desta atividade - um dos seus pontos mais críticos - é, na sua maioria, assegurado pelo capital de risco, coexistindo uma oferta pública e uma oferta privada.
No caso da saúde, a grande motivação estará na combinação entre a dimensão do mercado, atual e potencial, e as margens comerciais associadas. No entanto, para lá chegar, há um calvário para vencer que se materializa em elevados "time-to-market" e avultados níveis de investimento. Ambos, em boa medida decorrentes de processos exigentes de regulação e regulamentação, onde uma componente de teste e geração de evidência tem - e bem - um peso fortíssimo. Tudo isto numa envolvente globalizada onde a concorrência dos grandes operadores é, por regra, avassaladora.
Sempre ouvi dizer que por cada 10 start-ups apoiadas, em média, apenas uma haveria de ter sucesso. Tomando a realidade nacional e os últimos 10 anos, arriscaria dizer que não mais de 10 projetos, com estas características e usando esta abordagem, conseguiram passar o chamado vale da morte e hoje estão no mercado. Ignoro quantas iniciativas foram lançadas e apoiadas, mas certamente que muito mais do que 100.
O que poderá então ser feito para melhorar estas taxas de sobrevivência?
Diria que: avaliar e validar as propostas o mais cedo possível; não prolongar agonias; ouvir o mercado, ouvir os profissionais e, tanto quanto possível, ouvir os doentes: generalizar e sistematizar os ambientes de "test beds", desde logo no SNS; ajustar algumas regras da contratação publica a esta realidade; potenciar e ir a fundo em abordagens estruturadas como os DIH (digital innovation hubs) ou as TEF (testing and experimentation facilities).
Quanto aos apoios públicos (diretos ou indiretos), seria de deixar a fase atual de dar um bocadinho a todos - que resulta em deitar dinheiro fora e prolongar algumas agonias - e, em vez disso, dar dinheiro a sério a quem tem potencial. Claro que poderá não ser fácil de o fazer, uma vez que, por regra, quem avalia parece perceber pouco do assunto.