É da vida que, soprando ventos de mudança, uns levantam barreiras, outros moinhos de vento. Por muito que nos custe, é esse o tempo que vivemos, de mudança, mas divididos. Nos últimos sete anos, empanturrámo-nos de economia. A dose de austeridade deprimiu-nos, o emprego e os salários encolheram, a dívida cresceu. E valha-nos que Portugal beneficiou de um contexto externo anormalmente favorável, com juros baixos, euro desvalorizado e petróleo barato.
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O novo Governo diz que vai repor gradualmente uma parte dos salários da Função Pública e das pensões, e que aliviará alguns impostos, a sobretaxa de IRS e o IVA da restauração. Se é certo que algumas destas medidas aumentarão a despesa pública, espera o Governo socialista que, a par da redução de impostos, seja possível dinamizar a economia e o consumo, aumentando a receita fiscal arrecadada. Um tempo novo, diz o novo primeiro-ministro. Via rápida para o desastre, clama a Oposição.
Sessenta dias depois das eleições, há finalmente Governo, resultado de acordos improváveis e do talento negocial de António Costa. Numa semana, ele teve a habilidade de juntar os votos de confiança de Fernando Ulrich e de Jerónimo de Sousa. Um, porque lhe reconhece a capacidade de manter o rigor das contas públicas. O outro, porque confia na sua intenção de adotar políticas de Esquerda.
Acontece que agora é a sério. E o desafio de Costa está em saber conciliar a sua base de apoio parlamentar com os compromissos europeus e os credores internacionais. Mas há de chegar o momento das escolhas. Entre o cumprimento das metas orçamentais e a devolução de salários. Entre a capitalização dos bancos e a reposição de benefícios sociais. Entre o IRC e o IRS. Porque, com a mesma medida, não vai sossegar ao mesmo tempo patronato e sindicatos, António Saraiva e Arménio Carlos, as agências de notação financeira e o comité central.
Acontece, também, que boa parte dos destinos de Portugal e dos portugueses depende de fatores externos: das taxas de juro, do preço do petróleo, de como vai a vida nos nossos principais mercados. À nossa volta, os ventos não prenunciam bonança. A austeridade gerou novas vagas de desemprego e pobreza em toda a Europa do Sul. A crise das dívidas soberanas provocou, à escala global, a maior transferência de riqueza do fator trabalho para o capital de que há memória. Por todo o lado, erguem-se novas barreiras e volta a cheirar a pólvora.
É, certamente, um tempo novo, de travessia incerta e arriscada. Oxalá saibamos ir pelo caminho das pedras.