Todas as viagens, principalmente a vida, são de regresso. E para quem mais longe foi no mundo e na palavra e pensamento, seja o "expatriado" Eduardo Lourenço seja Montaigne encerrado na sua torre, o regresso tem uma natureza se possível ainda mais elementar.
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A citação de "Aos simples", de Junqueiro, que Eduardo Lourenço fez - evocando as andorinhas da infância e a memória de um velho jornal guardado pelo pai com a notícia da morte do poeta - no final da intervenção com que agradeceu a homenagem que lhe foi prestada em S. Pedro de Rio Seco, dá bem conta, sobretudo vinda de um pensador subtil (por pouco escrevia "complexo") e heterodoxo, do radical sentido dessa elementaridade: "Minha mãe, minha mãe!, ai que saudade imensa,/ do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti./ Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares/ cruzavam-se voando em torno dos seus lares,/ suspensos do beiral da casa onde eu nasci."
A palavra "naturalidade" é rica de consequências. Na aldeia de que é "natural" e de que se perdeu ("Estava no mundo ou o mundo estava em mim. Depois, nunca mais soube, realmente, onde estou e nunca o saberei") o rio plural da existência de Eduardo Lourenço reencontrou, por um momento, a nascente para onde corre.
Por coincidência, também eu nesse dia regressara de uma longa viagem ao lugar (e ao quarto) onde nasci, o exausto círculo saudoso do, como diz Angelus Silesius, ponto que o conteve.