Escrevo - já no sustento da terra pátria, depois de um Médio Oriente em chamas - horas antes da comunicação de Cavaco Silva à nação. Segundo essa grande esquecida, a Constituição da terceira República, o PR poderia, em caso de queda grave ou de quebra da legitimidade institucional, optar por três caminhos: a dissolução do Parlamento sem demissão do Governo, a demissão do Governo sem dissolução do Parlamento, e a demissão e dissolução simultâneas.
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No primeiro caso, o presidente apostaria na redefinição das escolhas e das cores partidárias, que poderia dar origem a uma nova maioria, mas manteria em funções um executivo com poderes plenos, sem a rédea da simples gestão corrente. Traduziria, no fundo, confiança integral na capacidade dos dois órgãos regenerarem a vida política.
Na segunda hipótese, puniria um executivo em falha, ou aceitaria a sua renúncia, e assumiria todas as consequências de um novo arranjo governativo. Este modelo, onde se revela um elemento importante do sistema semipresidencial, levaria a um novo gabinete, apoiado pelo mesmo partido mas com outras caras, incluindo a do PM, ou baseado noutras maiorias partidárias, ou numa coligação, ou na mera iniciativa presidencial. Já o vimos no passado, com Ramalho Eanes. A recondução de Sócrates à cabeça do PS, a insuficiência dos actuais votos PSD e PP, a irredutibilidade do BE e do PCP, e a renitência cavaquista em reeditar o eanismo, inviabilizaram este caminho, "avant la lettre".
O terceiro processo parece o mais pacífico e consensual. Indesejado por todos, desejado por todos. Indesejado por todos, na medida em que ninguém está totalmente preparado para uma eleição a brevíssimo prazo, com as memórias quentes sobre o que foi prometido e foi incumprido, sobre palavras de apoio e de cisão. Desejado por todos, na medida em que este Governo procurava uma saída, e a Oposição uma entrada, mas ninguém queria mostrar-se sôfrego por abrir a porta. E ninguém podia abri-la sozinho.
Atravessamos assim o Rubicão. A escolha eleitoral será dramática e decisiva. O próximo governo fica investido da grave tarefa de salvar Portugal de mais esta crise, e de não deixar que outra o engula. As medidas a tomar serão sobretudo de disciplina financeira e de desmantelamento - a sério - do Estado inútil.
A arte será destroçá-lo sem diminuir o Estado útil.