<p>Aos costumes digo que sou amigo e fui colega de Durão Barroso. Conheci-o, era ele um dirigente do MRPP já com muitas dúvidas, em trânsito para uma situação de independência, primeiro, e para o PPD, depois. </p>
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Não nos aproximava nem a doutrina, nem a história, nem as "opções políticas", nem sequer a formação intelectual, mas penso que nos juntava a curiosidade de compreensão dos motivos, pensamento e expressão dos aparentes "inimigos", e a previsão dessa era que hoje se chama de "pós-ideológica". Teremos também tido uma certa cumplicidade no entendimento dos rumos, nem sempre fáceis ou explicáveis, do "interesse nacional".
O seu projecto de governo, depois de muitas peripécias de saúde, de muitas negociações e subidas a pulso, de muitos caminhos solitários, ou incompreendidos, acabou na coligação "pragmática" com um ex-aliado, ex-adversário, ex-polemista, Paulo Portas. Apesar das previsões de catástrofe, conseguiu rumar pelos escolhos complicados do "país de tanga", manteve unidas facções díspares, e entrou no Campeonato Europeu de Futebol, feito em estádios que não tinha previsto nem aprovado, com altos níveis de confiança.
A saída para Bruxelas fracturou a sua própria base de apoio.
Achei-a, na altura, incompreensível, prejudicial, má para Portugal, para a estabilidade, para a confiança nos políticos. Com a opção comissarial abriu-se uma crise de legitimidade, cujos efeitos ainda sentimos, obrigando Santana Lopes a um sacrifício de emergência, Jorge Sampaio a um bizarro presidencialismo de tutela e vigilância, e à recriação do PS pós-Ferro Rodrigues em novas bases: continuando o barrosismo sem Barroso, assim como Guterres inaugurara um cavaquismo de "rosto humano".
Durão Barroso revelou-se, no entanto, um excelente presidente da Comissão Europeia. Reabilitou a imagem da "coisa", depois dos desastres de Santer e Prodi, tratou dos assuntos essenciais, e sobretudo antecipou estratégias, numa União sonâmbula e pouco atenta. Foi um dos primeiros a advertir para a crise energética e a hiperdependência da Europa face ao ex-Leste. E a agir aí.
Negociou um tratado importante, que, felizmente, recuava no federalismo, mas tornava a Europa mais racional e funcional. Administrou um alargamento difícil. Conseguiu uma linha importante de novo diálogo com os EUA, a Rússia e a China, a África e o Médio Oriente.
Explicou a Europa aos descrentes e aos cépticos, renunciou a qualquer tom impositivo ou messiânico, tornando a União num animal mais razoável, domesticado, próximo e familiar. Isto é, mais "legítimo".
A sua opção pela "liberdade económica" nunca se confundiu com a cartilha dos papas do "neoliberalismo".
Conseguiu gerir as tensões culturais entre sociais-democratas e conservadores, socialistas e liberais, a sua base de apoio, e parte agora com grandes hipóteses para ser o rosto da Europa (enquanto não houver presidentes, reis, arcebispos ou chanceleres comuns), por mais cinco anos.
Depois da confirmação do Conselho (que não está feita, ainda, quando escrevo, mas se prevê), terá de se apresentar a eleição confirmadora, por parte de um parlamento europeu hoje mais dividido entre tribos nacionais e ideológicas, menos previsível e mais caótico (saudavelmente caótico, diga-se).
Ou seja: não possui, pela frente, uma tarefa fácil de convencimento e explicação.
Mas a sua habituação ao combate de rua pode equipá-lo bem para o desafio.