O caminho do crescimento e o financiamento das empresas
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Num dos vértices do seu triângulo, o Reformador visa o crescimento da economia. É, talvez, o vértice instrumentalmente menos apetrechado, politicamente mais cobiçado - até pelos impactos eleitorais que gera - e socialmente mais desejado, porque tem como reverso o desemprego. Precisamente sobre esse vértice, o Governo aprovou um novo documento no sábado passado. Chama-se "Caminho para o Crescimento - Uma estratégia de reforma de médio prazo para Portugal".
O caminho é longo...
O documento governamental sucede, em cadeia, a três outros documentos, sobre os quais escrevi no JN. Tantos documentos, em tão pouco tempo, é caso para dizer "quando a esmola é grande, o pobre desconfia". E desconfia de quê? Desconfia do tempo e da fartura. E desconfia do real alcance dos meios, das medidas e das políticas disponíveis.
De facto, o que está ao alcance dos políticos? Nesta coisa de fomentar o crescimento, estando sujeitos, como continuamos a estar, a restrições da política orçamental, deveremos reconhecer que muito poucos instrumentos de curto prazo da política de crescimento e emprego estão ao alcance do Governo. E os que estão, têm efectividade relativamente limitada. Por isso se compreende que o novo documento se assuma e se assinale como um antónimo do "curto prazo" e o faça por três vezes quando diz, no subtítulo, "estratégia", "reforma", "médio prazo".
A questão do financiamento...
O crescimento precisa de financiamento novo, todavia (um dos problemas reside aqui), sabemos que a troika esteve cá por causa da dívida existente, pública e privada, das empresas e das famílias. Dívida que era e é excessiva. A questão do financiamento às empresas é das mais decisivas quando se pretende relançar o crescimento e combater o desemprego, e é das mais adversas quando as circunstâncias internas são (ainda são) de teor troikiano e quando a política monetária é conduzida pelo BCE para toda a Zona Euro e não especificamente para o nosso país. A questão dificilmente terá solução satisfatória se não for pensada ao nível europeu. As instituições da Zona Euro cometeram um erro grave de avaliação da situação em geral, erro este que deveria ter despertado, subsequentemente, um outro sentido de responsabilidade. Nos campos da política monetária, por exemplo, julgo ser hoje evidente que o BCE andou demasiado devagar. O novo governador, Mario Dragui, parece ter inaugurado uma outra forma de conduzir o BCE, mas os efeitos junto das empresas portuguesas demoram a fazer-se sentir.
O crédito dos bancos às empresas...
Realmente, as empresas portuguesas continuam, em média, a pagar pelo crédito juros muito mais elevados do que na Zona Euro (ver gráfico). Juros, respectivamente, de 4,96% e 2,32% em Março deste ano. Mais do dobro. Custa-nos exactamente mais 114%. Ora, assim não há união monetária que nos valha nem que se entenda, sendo que nós estamos em situação de necessidade.
Quanto ao montante do crédito concedido a PME, o saldo total tem vindo sempre a cair (quadro, em mil milhões de euros). Em três anos, de 2011 a 2014, caiu 19,1 mil milhões, cerca de 21%.
O chamado rácio de "transformação bancária" (crédito total em percentagem dos depósitos) descreveu uma descida demasiado rápida. Em parte, a descida acusou o próprio arrefecimento da economia. Noutra parte, foi duramente determinada pelo programa de Maio de 2011, este foi depois aliviado, mas o mal da rapidez da "contra-alavancagem" estava quase todo feito. O rácio passou dos exorbitantes 158% em 2010, para 140% em 2011, 128% em 2012 e 120% em 2013, nível actual.
A capitalização das empresas...
A elevada "transformação bancária" foi coadjuvada pelo regime fiscal que, em IRC, discrimina contra os capitais próprios das empresas, a favor dos capitais alheios. Isso prejudica o financiamento saudável das empresas e o seu grau de "autonomia financeira" ou "capitalização" (Capitais próprios e quase próprios / Activo total). Recentemente, a lei do OE2013 veio alterar a inclusão dos juros passivos como custo em IRC mas de um modo moderado e paulatino.
As empresas portuguesas precisam de medidas fiscais e financeiras que apoiem e incentivem a "capitalização". Deste ponto de vista, o mencionado documento "Caminho para o Crescimento" vale a pena seguir. Debruça-se sobre matérias relevantes como: "facilitar o acesso ao financiamento". Ou o chamado "Plano estratégico para a reestruturação de dívidas das empresas" (o que virá a ser isto, não sei; entre outras coisas, promete voltar a mexer nos regimes vigentes!). Ou a ansiada "Instituição Financeira de Desenvolvimento", de alcunha banco de fomento, que privilegiará as PME, e muito bem, com recursos europeus e outros. Porém, para minha enorme surpresa, esta entidade vai continuar em fase de instalação. Deslizou mais uma vez! Já não é neste primeiro semestre, como não foi antes, já não sei quando. Só estará operacional no final de 2014 (pg. 33 e 56). Como é que os políticos se dão ao luxo de falhar nestas andanças tão sensíveis, é para mim um mistério.