Estava escrito nas estrelas. Como eu dizia, na semana passada, os portugueses vêem o Estado como o santo milagreiro. Chamava-lhe eu "de último recurso". Errei. É mesmo de primeira instância. Vem escarrapachado no último número da "Visão". Com direito a sondagem e tudo: com a crise que por aí vai, e com a que se adivinha continue a vir, os portugueses querem é mais Estado. Na saúde, na educação, no emprego. Patrono e pai.
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Esse era o perigo principal da actual conjuntura. É indispensável um maior activismo e intervencionismo dos governos e, por essa via, um acréscimo de presença do que se costuma chamar Estado. Para corrigir os erros e suprir a incapacidade, ou demissão, do sector privado para dinamizar a economia. Para garantir a rede social que evite o agravamento das tensões.
Daí até reaparecerem os profetas da estatização vai um passo. Em Portugal têm terreno fértil, preparado por 48 anos de desconfiança no mercado e 3 em que foi diabolizado. Pouco importa que, onde vingou, a doutrina tenha gerado atraso económico, pobreza e falta de liberdade política. Pormenores. Estamos a falar de Fé, com letra grande. Fé no Estado. Nos homens providenciais que o hão-de comandar. Ocupar. Usar. Para produzir e distribuir os recursos que agora minguam. Como? Com a versão moderna do milagre da multiplicação dos pães. Cobrando impostos até à expropriação. Nacionalizando empresas como a EDP ou a GALP. Talvez mesmo a PT. Afinal, também dá lucro. E os bancos todos, é óbvio. Então, sim! Seria possível recompor o país sonhado e desejado. De funcionários públicos, com emprego garantido e salários condignos. A julgar pela sondagem da "Visão", o anseio de qualquer português que se preze. E que sofra de amnésia! Que esqueça as indemnizações que seria necessário pagar. Ou as sanções internacionais. E não se lembre das intervenções que o FMI impôs para salvar o país da bancarrota. Nem dos enormes prejuízos das empresas públicas, sobredimensionadas, capturadas por clientelas políticas, impossíveis de gerir.
Em torno do Estado, das suas capacidades e poderes milagreiros, tem-se vindo a produzir uma grotesca mistificação. Perigosa. Não por razões ideológicas (embora, também). Mas por razões mais comezinhas: bastaria tentar fazer metade do que é prometido, no emprego, no desemprego, na saúde, na segurança, no ensino, na economia para levar o país à falência. E trazer de volta o FMI, desta vez como tragédia.
Um discurso perigoso. De facilidades conseguidas não se sabe bem como. Quando é necessário tornar claro que, mesmo que a actual crise não se prolongue, se avizinham tempos difíceis, que nos vão exigir sacrifícios.
Um discurso perigoso. Abrindo campo a populismos extremistas que capitalizem no descontentamento gerado por ilusões não concretizadas.
Esta crise coloca novos desafios à intervenção do Estado. Certo. No caso português, essa intervenção está condicionada. Não por haver Estado a menos, mas por já termos Estado a mais. Fosse mais pequeno e, sobretudo, menos caro e o Governo teria uma margem de manobra que hoje não tem. Acenar com mais Estado, como panaceia futura, é irresponsável. A não ser que a ideia seja reeditar modelos de socialismo num só país. Cuba na melhor das hipóteses. Coreia do Norte, na pior.