O campeonato do 25 de Abril
Pela primeira vez desde 1974, vamos celebrar o 25 de Abril privados da liberdade plena. Não a liberdade de expressão, mas a liberdade de movimentos e de reunião. A liberdade de podermos ser uma comunidade fisicamente interligada.
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Nunca, por isso, em 46 anos de democracia, fez tanto sentido como agora projetar os valores de uma revolução pacífica que ainda hoje nos distingue nos livros de História.
Ainda assim, o Portugal político preferiu reduzir a data a um campeonato estéril entre fações, com o intuito de encontrar, sob a forma de petições fast food, quem é o mais digno dos portugueses. Se uma certa Esquerda que permanece convencida de que o 25 de Abril é uma marca registada por si, se uma Direita ressabiada que, findo este tempo, ainda não despertou do trauma.
Vejamos: o 25 de Abril é muito mais do que uma cerimónia solene no Parlamento. Mas também é uma cerimónia solene no Parlamento. Brandir o argumento de que pouco mais de uma centena de pessoas (entre deputados e convidados) que vão estar presentes darão um mau exemplo ao país confinado é pouco sério, na medida em que durante o estado de emergência têm sido várias as sessões parlamentares com esse número aproximado de representantes. Se a "meia casa" na Assembleia de 16 de abril não incomodou ninguém, por que carga d"água incomoda a de 25 de abril? Será pela decoração à base de cravos vermelhos?
Comemore-se a data no hemiciclo, cumpram-se as regras higiénicas exigidas ao país, mas não se transforme a cerimónia numa batalha campal. Desde logo porque entre as inúmeras conquistas de Abril avulta a liberdade de escolha.
Quem quer ir vai, quem não quer fica em casa. Bem mais patriótico teria sido organizar um 25 de Abril condizente com o momento absolutamente ímpar que estamos a enfrentar. Uma ideia marcante, de pendor simbólico, que cruzasse gerações e resultasse nalgum ensinamento aos mais novos, os quais, a expensas de uma pandemia global, estão a testemunhar, em pleno regime democrático, o mais próximo que tivemos de uma ditadura.
O Dia da Liberdade não é um campeonato entre bons e maus políticos, entre democratas de primeira e de segunda. Saibamos, por isso, honrar o espírito coletivo de uma revolução pacífica que, 46 anos depois, se repete e nos confronta com o que de melhor e de pior conquistámos.
*Diretor-adjunto