Quem ainda não foi atingido pela seta venenosa está na lista informal dos que correm esse risco. Quem já foi sabe o que dói. O cancro é uma inevitabilidade cruel.
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Quem ainda não foi atingido pela seta venenosa está na lista informal dos que correm esse risco. Quem já foi sabe o que dói. O cancro é uma inevitabilidade cruel. Para nós, doentes potenciais. Para nós, contribuintes providenciais. Todos os anos, há 30 mil portugueses que morrem vítimas de doença oncológica. E 60 mil novos casos diagnosticados. O esforço coletivo na resposta a esta tempestade silenciosa devia obrigar-nos, por isso, a uma reflexão séria. À definição de uma estratégia nacional que balize com rigor e sem demagogias a medida do nosso empenho e a disponibilidade do nosso orçamento. Porque nesta guerra desigual entre homem e doença, atirar dinheiro para cima do problema não é apenas uma forma célere de o resolver. Pode, muito bem, ser a única forma de lhe dar resposta.
Vejamos: um terço das despesas da Saúde com medicamentos já é canalizado para fármacos oncológicos. Nos primeiros sete meses de 2019, foram mais 32 milhões de euros do que no mesmo período do ano passado. E não está aqui contabilizada a despesa com tratamentos. A fatura tem outro alcance.
É bom termos a noção do que nos vai ser exigido: as inovações tecnológicas são caríssimas (há medicamentos que ascendem a 300 mil euros por doente) e o poder negocial de Portugal face à musculada indústria farmacêutica não é o mesmo, por exemplo, da Alemanha.
Não devíamos pensar em cancro com uma máquina calculadora no lugar do estetoscópio. Mas não há outro caminho. Vai-nos ser pedido mais, cada vez mais.
Certamente que nos custa aceitar a ideia de que o Infarmed está a condicionar o acesso a medicamentos inovadores em fases mais precoces de alguns cancros, porque isso significa que há doentes a quem é negada a esperança. Mas o Serviço Nacional de Saúde não pode dar tudo a qualquer preço. Médicos, ministros e gestores têm de entender-se. E, sobretudo, têm de forçar (não, não é candura de espírito) a indústria a ser mais ativa a salvar vidas e menos obsessiva a obter lucros. Continuaremos a viver até mais tarde. Continuaremos, porquanto, mais expostos aos abraços fúnebres desta doença insaciável. Não é apenas a saúde de cada um de nós que está em causa. É a do próprio sistema que nos protege deste fim.
Diretor-adjunto