Dezasseis de maio de 2002. Discutia-se no Parlamento a primeira alteração ao Orçamento do Estado (OE) para 2002, aprovado meses antes pelos socialistas. António Costa transitara dos bancos do Governo para a liderança do grupo parlamentar do PS. E sobre a ministra de Estado e das Finanças, Manuela Ferreira Leite, dizia assim: "(...) Com protestos da minha consideração pessoal, sabemos que a senhora é a legítima testamenteira da arrogância cavaquista neste Governo. (...) A senhora não tem competência política, a senhora não tem credibilidade, a senhora não tem autoridade para dirigir-se à nossa bancada nos termos em que o fez.
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A senhora não tem autoridade para falar em rigor (...). A senhora não tem credibilidade política depois de tudo o que disse quando estava na oposição. (...) A senhora não tem competência política. A senhora pôs a Educação a ferro e fogo, teve de pôr a Polícia de choque nas ruas e nem à bastonada conseguiu resolver um único problema na Educação,
(...) A Sr.ª Ministra é o verdadeiro oposto do rei Midas: onde toca, estraga!
(...) Com o orçamento retificativo que nos apresenta, a senhora continua a não ter autoridade nem credibilidade" (fim de citações).
Na verdade, questionando o OE para 2002, que continha previsões premeditadamente absurdas e objetivos irrealizáveis, Manuela Ferreira Leite limitara-se a denunciar um paradigma. Uma forma típica e errada dos socialistas encararem os problemas do país, repetida noutros anos, governos, orçamentos e retificativos, com triste epílogo em 2011. E disse-o cruamente, com palavras que detonaram a fúria de António Costa, mas revelaram atualidade de cada vez que o PS voltou ao Governo.
Querendo reconquistar o poder sem aceitar erros e defendendo as decisões passadas, o PS de 2015 é o PS de 2011, cristalizado no significado do OE para 2002. Mantém-se também nos antípodas da antiga presidente do PSD.
Apesar disso, ficou a saber-se que António Costa não afasta a hipótese de incluir quem teve por "oposto do rei Midas", num Governo do PS. "Há entre mim e Manuela Ferreira Leite uma identidade de pontos de vista muito significativa", disse.
Valha-nos o valor pedagógico da memória, perante aqueles que só valorizam a dimensão cénica da política, como se as coisas não acontecessem realmente e as palavras ditas não encerrassem um significado pensado. Também as eleições legislativas que, se houver justiça, o PS perderá. E em todo o caso, a convicção de que o canto interesseiro das sereias do Largo do Rato não encontraria coincidência na vontade da destinatária.