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Quem disse que os resultados de umas eleições locais não deveriam ter leituras nacionais? À Direita, o colapso do PSD nas áreas urbanas arrastou consigo um líder. À Esquerda, estrebucha um Partido Comunista que perdeu um terço da sua força nos municípios e ameaça contrapor na rua o poder que lhe faleceu nas urnas.
Enganar-se-ão Rui Rio ou quem quer que lhe dispute a corrida à sucessão de Passos se acharem que a hecatombe eleitoral do partido, que ainda há dois anos ganhara as legislativas, se deveu apenas à má condução de quem ia ao volante. Porque a crise do PSD, mais do que de liderança, é de ideário e do desencontro com a sua matriz fundacional, social-democrata. Cá e no alinhamento das irmandades políticas europeias.
E estão enganados, também, quantos olharem para a derrota comunista apenas como o preço eleitoral que Jerónimo de Sousa está a pagar pela trégua de dois anos que o seu partido concedeu ao governo do PS. Porque a perda de votos no PCP é uma curva depressiva, vem de há várias eleições consecutivas, sem sinais de rejuvenescimento. Mal se conheceram as contas de domingo, foram anunciadas várias vagas de greves, sobretudo na Função Pública. Mas também hão de vir os transportes. São esses os pilares da força comunista no movimento sindical. Ora, se é fácil concordar com a ideia de que é justo repor os rendimentos perdidos durante os anos da crise, mais difícil é acertarmos o passo com a dimensão da perna. E é esse mesmo o debate dos próximos dias, à volta do Orçamento do Estado. Haja, ao menos, quem lembre aos portugueses que 2016, o ano da viragem económica e dos índices de confiança em Portugal, foi também aquele que registou o menor número de greves, cinco vezes menos que a média de toda a década anterior.
A abrir o novo ciclo da política caseira, há quem questione o desempenho do presidente Marcelo e o seu alegado ou secreto desejo de um bloco central. Anteveem, nesse cenário, o carrinho de mão onde caberiam, a prazo, António Costa e Rui Rio numa ampla maioria de governo capaz de empreender a reforma do Estado de que se fala há anos, do sistema político às leis eleitorais, e da segurança social às grandes infraestruturas. Mas também esses podem estar equivocados. Não porque não seja esse o desejo reformista de Marcelo ou da imensa maioria de portugueses que se reveem na sua magistratura. O problema é que ainda falta a Rio ganhar o PSD, sabendo que muito dificilmente ganhará as próximas eleições gerais quem agora perdeu o país.
*DIRETOR