É longa a história da França a liderar movimentos caracterizados por grande convulsão política e social. Recuando à revolução francesa de 1789, a ignição teve origem nos mais de 98% de pobres que trabalhavam para sustentar a corte e o núcleo de pessoas ligadas a cargos na igreja e na nobreza, que consumiam riqueza e estavam isentos de impostos. Sendo também históricas as lutas operárias do final do século XIX, a sua radicalidade e o aparecimento dos movimentos anarquistas associados. Da história recente retemos o movimento de maio de 1968, que começando no protesto dos estudantes de uma universidade contra a divisão dos dormitórios, evoluiu rapidamente para a exigência da renúncia do presidente Charles de Gaulle, considerado como um conservador. Tudo suportado num conjunto de manifestações que rapidamente transformaram Paris num teatro de guerra, a que se seguiu uma greve em que mais de 10 milhões de trabalhadores cruzaram os braços exigindo melhores condições de trabalho, e que só terminou com a convocação de eleições gerais.
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O movimento dos designados "coletes amarelos" também se iniciou na luta simbólica contra mais um aumento na carga fiscal indireta sobre os combustíveis. Mas rapidamente evoluiu para uma contestação política global, com a repetida exigência de demissão do até há pouco tempo intocável presidente Emmanuel Macron. E também, de novo, com o movimento a ser envolvido e infiltrado por grupos radicais, de forma isolada ou organizada, que pouco ou nada têm a ver com as motivações da contestação.
Mas há uma enorme lição a tirar desta situação: a de que estamos muito provavelmente já na zona de rotura da capacidade de recuperação da elasticidade, no que concerne à carga fiscal. Se olharmos para o salário de um quadro superior da Administração Pública em Portugal, um professor universitário ou um juiz, por exemplo, temos que para o mesmo salário bruto de 2009, 10 anos depois o vencimento líquido é inferior em 25%! Se a isto somarmos o enorme aumento de impostos indiretos, fórmula mágica da sua cobrança com anestésico, então a situação passa quase a ser surreal. E é sobretudo nas consequências da ultrapassagem deste limite que devemos olhar para o que se passa em França como um verdadeiro cartão amarelo. Porque todos perderemos com o segundo!
*Prof. catedrático, vice-reitor da UTAD