<p>Na última crónica no JN referi a prática de fontes anónimas de Belém passarem para os media supostas posições presidenciais que depois não se confirmam. Descrevi os episódios das manchetes e relatos em jornais e na TV com base em "fontes de Belém", que foram criando no público a percepção das desconfianças presidenciais quanto à estratégia orçamental do Governo de Sócrates.</p>
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Depois, não só o presidente nada disse publicamente, como actuou em sentido oposto. De facto, com os jornais ainda nas bancas, o presidente promulgava sem objecções o Orçamento de 2009. Este é o histórico recente. A prática é antiga. Há ano e meio foquei uma manchete que antecipava a comunicação presidencial do 25 de Abril de 2006, onde se dizia que os parlamentares iam ser admoestados pela sua falta de assiduidade. O discurso veio e não houve qualquer reparo do presidente.
Há mais casos que eu detectei e, provavelmente, muitos mais que não detectei. Quando escrevo (ou falo) sei quem estou a interpelar. Mas às vezes subestimo-os e ainda me surpreendem. Neste caso, os reparos que fiz mereceram-me a atenção de José Manuel Nunes Liberato, chefe da Casa Civil do presidente da República. Enviou uma nota em papel timbrado da Presidência desmentindo tudo o que eu disse. Num dos pontos, diz: " (…) estamos perante afirmações de cariz factual que são totalmente inverídicas, não tendo jamais a Presidência da República utilizado os métodos que lhe são imputados pelo jornalista Mário Crespo, em afirmações que não podem deixar de se considerar extremamente graves e lesivas do bom nome de uma instituição da República, bem como a honra de todos quantos nela trabalham." Ora não é o cariz do que eu disse e escrevi (logo a atmosfera, a aparência, etc.) que é factual. É mesmo factual o que afirmo. Houve notícias publicadas citando fontes de Belém que não se confirmaram. Isso é insofismável e denunciá-lo não belisca a honra da instituição da República, que é a Presidência. Pode e deve alertar "as fontes" para o facto de não estarem a servir a República nem a transparência da comunicação entre órgãos de soberania, e neste processo desrespeitarem a dignidade de órgãos de informação que, no seu todo, são também instituição da República.
José Nunes Liberato mandou cartas para a Direcção do órgão de informação para que trabalho e para um diário que reproduziu, correctamente, aquilo que eu tinha dito. Está no seu direito. Só não entendi por que é que Nunes Liberato fez chegar cópia dessa correspondência ao mais alto nível da administração dos meus empregadores. Para quê? Com que objectivo? Nunes Liberato está na honrosa posição de, não tendo sido eleito por ninguém, ter sido a escolha do presidente para conduzir os assuntos civis da Presidência. É um homem com uma delegação de competências poderosa.
Na verdade, há um certo paralelismo nas nossas funções. Também eu não fui eleito para falar na TV e escrever no JN. Mas tenho essa poderosa delegação de competências que, enquanto durar, vou respeitar e exercer retratando factualmente o que registo. Faço isso porque a liberdade de informar tem de ser conquistada em batalhas campais públicas todos os dias. Continuarei a fazê-lo mesmo face a situações que tenho muita dificuldade em entender. Porque é que em Portugal, em 2009, Nunes Liberato usa papel oficial da Presidência da República para falar de mim e do meu comportamento editorial à Administração de quem me dá emprego? Para a Direcção de Informação, ainda vá que não vá. Agora para a Administração! Porquê? Para quê?
