O caso scut: sintomático e lamentável
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O episódio da abolição de portagens nas antigas scut é uma caricatura quase perfeita da forma de fazer política em Portugal nas últimas décadas. Pela sua irresponsabilidade, flagrante contradição e inerente populismo, merece ser escrutinado e denunciado, mesmo que daqui não resultem grandes aprendizagens para o futuro.
Primeiro, a história: o PS comete a tripla proeza de ter criado, nos anos 90, com Guterres, o conceito das scut; instalado, no consulado Sócrates, as portagens em vias que “se pagavam a si próprias”; e aprovado agora a sua extinção, ainda que de forma parcial, com Pedro Nuno Santos. Entretanto, esteve oito anos e meio a governar o país, período em que vetou todas as propostas sobre esta matéria apresentadas no Parlamento.
Se o exercício de hipocrisia e contorcionismo não fosse bastante, juntou-se a ironia ao processo, uma vez que a aprovação do novo projeto de lei foi garantida com o apoio do Chega - precisamente o partido que o PS qualifica de ameaça intolerável à democracia, exceto quando ajuda a torpedear a ação do novo Governo.
Mas o mais grave é mesmo a profunda demagogia e superficialidade desta iniciativa, que não tem qualquer suporte racional, além de mostrar uma aparente boa vontade com os cidadãos do Interior do país. Ninguém coloca em causa o apoio às regiões mais deprimidas do nosso território, mas uma decisão sobre desinstalar - assim como instalar - portagens devia obedecer a estudo e planeamento, definindo os critérios técnicos, os objetivos e o calendário de implementação.
De resto, teria sido esta a oportunidade para se discutir seriamente a forma como é taxada a utilização das autoestradas em Portugal, adotando um método baseado em procura ou volume de tráfego, em alternativa ao estafado modelo do número de quilómetros percorridos. Nessa análise entrariam, não apenas as antigas scut, mas todas as restantes vias portajadas, como seria o exemplo da A41 - tão necessária ao descongestionamento da VCI e de outras vias do Grande Porto.
Sem surpresa, a opção foi pela via do imediatismo e da decisão “ad hoc”, seguindo a velha máxima do “quem vier que feche a porta”. Nada é tão definidor da nossa praxis política e, por isso, tão lamentável.