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As sardinheiras são a colorida maneira de alegrarmos as janelas e varandas, e quem já tentou mantê-las sabe que são mais frágeis do que parecem. Sim, aguentam-se bem quando já estão fortes mas até chegar lá há muita frustração desajeitada pelo caminho. Representam, também, a nostalgia da natureza no meio da cidade, tal como os vasos de ervas aromáticas que compramos para fazer crescer em casa.
Como sou uma freguesa (consumidora ou mesmo utente, na nova linguagem económica) assídua de praças (ou mercados municipais), tenho o prazer de provar a fruta, espreitar as guelras do peixe e trocar conversas mais ou menos delirantes, brejeiras e sempre familiares com vendedeiras e vendedores. É uma parte do que sobra da Lisboa de vizinhos e bons malandros.
Por isso gostei de saber das couves que Estêvão prepara para o Natal e dos morangos que outro vizinho plantou na horta que a Câmara Municipal de Lisboa lhe cedeu, numa quinta mesmo ao lado do gigantesco complexo do Colombo, em Benfica. Aquele bairro meio rural que o escritor António Lobo Antunes evoca em muitas crónicas tornou-se, de há 50 anos para cá, um aglomerado de prédios, estradas engarrafadas e áreas comerciais. O esforço recente do município tem amenizado esses efeitos, com um novo e amplo jardim e o atravessamento em ciclovia para os lados de Monsanto.
Passei há dois dias noutro grande mas cinquentão jardim, o da Fundação Gulbenkian, a cada ano mais esplendoroso e sempre cuidado. Desenhado pelos paisagistas António Viana Barreto e Gonçalo Ribeiro Telles (ontem presente na festa das novas hortas de Lisboa), o jardim, que substituiu com grande vantagem para todos a antiquíssima Feira Popular da Palhavã, enquadra até ao início do próximo ano uma óptima exposição de Natureza-Morta europeia, na sede da Fundação.
Ali convivem beringelas de Cézanne com dálias de Matisse, uvas de Courbet com pêssegos de Monet, um limão de Picasso com o porta-garrafas de Duchamp. E também obras de Maria Helena Vieira da Silva, Amadeo de Souza-Cardoso, Mário Eloy e Eduardo Viana, portugueses parisienses.
Na véspera do Dia Mundial da Poupança, que o JN assinalará numa edição especial, este é um passeio lisboeta gratuito onde natureza viva e Natureza-Morta enchem os sentidos dos visitantes. Logo no primeiro fim-de-semana, a exposição foi vista por seis mil pessoas.
Agora que os arbustos do jardim estão carregados de bagas vermelhas a anunciar o Natal, há que encontrar prazeres simples e perfeitos como o castanheiro em flor de Van Gogh ou as ervas oferecidas na praça.