Manuel Alegre não parece ter "punch" para passar da primeira volta das presidenciais, mas está a conseguir trocar as voltas a Francisco Louçã e a prestar, assim, um excelente serviço a José Sócrates e ao PS.
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Quando resolveu antecipar-se à decisão do PS e anunciou a sua candidatura, Alegre já sabia que contava com o apoio do BE, ainda que essa aposta de Louçã não tivesse sido consensual entre alguns dos seus pares, que desconfiavam do parceiro no negócio.
Para Louçã, tratou-se de um risco calculado. Depois de uma legislatura em que Alegre complicara a vida a Sócrates, ora aproximando-se do PS e das políticas do Governo, ora gritando "agarrem-me, se não fujo", o líder do BE terá acreditado que a sua jogada de antecipação condicionaria o apoio do PS ao candidato que nas anteriores eleições presidenciais dividira o voto socialista e conseguira um resultado superior a Soares, o candidato oficial do partido.
Se, porventura, como viria a acontecer, Alegre conseguisse, ainda assim, recolher o apoio oficial do PS, Louçã esperaria que o seu candidato se mantivesse fiel ao compromisso ideológico assumido com o BE, dessa forma, complicando a vida a Sócrates, numa altura em que se sabia que o Governo teria de tomar medidas impopulares e que condicionariam o Estado social.
Na verdade, e apesar das esperadas divisões internas, porque os soaristas não se conformaram com a escolha, e porque ainda há, no PS, quem julgue que "Roma não paga a traidores", Sócrates forçou o apoio a Alegre. Esta hipótese, que Louçã já teria equacionado, nem por isso lhe terá desagradado, já que chegou a admitir que Alegre pudesse conseguir as condições necessárias para disputar a eleição com Cavaco, chegando à segunda volta. E, caso viesse a vencer a segunda volta, congregando todo o voto da Esquerda, seria então o árbitro ideal para viabilizar um acordo pós-eleitoral entre o PS e o BE depois das inevitáveis eleições legislativas de 2011, em que a eleição presidencial do candidato frentista não deixaria de alavancar a votação de ambas as forças políticas que o tinham apoiado nessa aventura.
O que já não estaria nas previsões de Louçã, e lhe terá trocado as voltas, é que Sócrates cuidou de negociar com o candidato Alegre um conjunto de garantias e de "concessões ideológicas" que, agora, são perceptíveis a olho nu. A posição ambígua de Alegre relativamente à greve geral, recusando-se a comentar a sua oportunidade ou a apoiar os sindicatos, refugiando-se no fraco argumento de que não quer utilizar a demagogia, não só parece comprovar que essas cedências a Sócrates existiram mesmo, como coloca Louçã numa posição impossível, ao não poder retirar agora o seu apoio a um candidato que defende uma agenda política que, na prática, em nada se identifica com a do BE.
Para além do mais, o acordo entre PS e PSD acerca do orçamento beneficiou a candidatura de Cavaco e, a acreditar nas sondagens, Alegre não conseguirá passar à segunda volta das eleições. O candidato afunda-se por culpa de toda esta conjuntura, mas também porque as suas contradições não ajudam a mobilizar o eleitorado: os eleitores do BE não se sentem motivados para apoiar um candidato que não se afasta das opções do Governo; os eleitores do PS não se entusiasmam com um candidato de quem desconfiam; e os descontentes e "a rua", cujo voto oscila diariamente, não encontram em Alegre as convicções que permitiriam uma ruptura. Desventuras de um candidato que, ou muito me engano, não preocupam particularmente Sócrates.