O processo de descentralização administrativa vai correndo como se sabe. São mais os recuos que os avanços e é maior a insatisfação dos municípios, do que a vontade em abraçar as funções delegadas do Estado central.
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Mas enquanto esta transição lenta ocorre, vamos assistindo a alguns resquícios do centralismo atávico, que tão bem caracteriza o sistema político português. Um exemplo flagrante e recente foi a investida do Ministério da Cultura sobre os sete museus que estavam sob alçada da Direção Regional de Cultura do Norte. Com a extinção programada deste organismo, e em vez de delegar a gestão dos equipamentos culturais na CCDR-N ou nos respetivos municípios, o Governo optou por chamar a si a responsabilidade, colocando a famigerada descentralização numa gaveta bem funda.
Importa recordar que foi este mesmo Ministério da Cultura que, na hora de negociar os valores do PRR para o setor, atribuiu à Área Metropolitana de Lisboa quase 75% do total de verbas destinadas à recuperação do património. O Norte ficou com pouco mais de 6%. Alentejo e Algarve ainda ficaram pior. Nesta matéria, portanto, a jurisprudência da tutela não é famosa e deixa poucas margens de dúvida.
Este é, no entanto, o paradoxo que enferma todos os processos de desconcentração de poder no nosso país. Sucedem-se os discursos eloquentes sobre o tema, evoca-se a necessidade de agilizar a máquina administrativa do Estado e de aproximar as decisões dos territórios, mas a prática desmente as boas intenções. No fundo, apregoa-se muito sobre a delegação de competências, mas pratica-se pouco.
Perante esta falta de consistência e de maturidade na execução do plano de descentralização que está em curso, torna-se difícil avançar com uma reforma mais profunda que implique uma efetiva transferência de poderes para as regiões. O centralismo contra-ataca sempre que pode e vai-se aproveitando destas fragilidades para ganhar argumentos. Foi o que aconteceu com o mais recente empurrão de barriga sobre a regionalização. Quem acredita que não é este o caminho tem de estar atento aos retrocessos e não deixar de os denunciar. A luta vai ter de continuar.
Presidente Associação Comercial do Porto