A gula significa o desejo insaciável por algo, muito para além do necessário, sendo na matriz cristã considerado um dos sete pecados capitais. Quando associado ao consumo alimentar, conduz inevitavelmente à doença, que se torna crónica e incurável ao persistirmos no erro.
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O estudo realizado pela Universidade do Minho para a Associação Comercial do Porto sobre assimetrias e convergência regional mostra bem até que ponto a gula centralista se está a tornar em doença para os próprios, arrastando com ela o país para uma situação de pandemia permanente. Os primeiros indicadores do estudo mostram algo de surpreendente: para o período temporal de 16 anos, entre 2000 e 2016, a Área Metropolitana de Lisboa perdeu 5% do seu poder de compra, avaliado em PIB per capita, sendo esse valor de 10% para o intervalo entre 2008 e 2016. Foi ainda uma das regiões mais atingidas no período recessivo de 2012 a 2016. Pelo contrário, durante esta fase foram as regiões mais pobres e com menor poder de compra, com o Norte em destaque, aquelas que mais contribuíram para a recuperação económica.
O estudo mostra ainda algo de absolutamente inacreditável na atividade do Estado, com 50% das compras públicas a serem efetuadas por entidades localizadas na área de Lisboa, valor que sobe para 64% quando se trata da administração central. Como consequência, as empresas situadas nesta região detêm 62% das vendas totais ao Estado e 77% se considerarmos as entidades da Administração Central. Mas ao contrário do que se poderia pensar, esta concentração não conduz a uma maior eficiência na contratação pública, avaliada pelos desvios do preço pago em relação ao preço contratado, que se mostra mais eficiente na administração local.
Portugal é um dos países mais centralizados da OCDE, em que apenas cerca de 10% da despesa pública total é realizada através da administração local. Numa época em que é inequívoca a importância das exportações como motor de crescimento das regiões e da economia nacional, são fundamentais políticas direcionadas para o aproveitamento desse potencial, promovendo condições específicas nas diferentes regiões para uma resposta rápida às mudanças, cada vez mais rápidas e frequentes dos mercados internacionais. Mas tal só será possível com a diminuição da gula, o pecado da capital.
* PROFESSOR CATEDRÁTICO E VICE-REITOR DA UTAD