<p>A Associação para o Desenvolvimento Social e Económico (Sedes), uma das mais antigas e credíveis associações cívicas portuguesas, produziu um documento de difícil digestão para o Governo. Liderada por Campos e Cunha, o ex-ministro das Finanças que saiu do Executivo socialista por razões ainda não esclarecidas por inteiro, a Sedes diz, basicamente, que Sócrates perdeu a força reformista e começou a gerir o país em função do apertado calendário eleitoral que aí vem.</p>
Corpo do artigo
A tese não passaria disso mesmo, não se desse o caso de coincidir no tempo com três relevantes factos políticos.
Primeiro: a análise é divulgada dois dias antes de o primeiro-ministro ir ao Parlamento debater o estado da Nação, porventura no ponto mais frágil de toda a legislatura.
Segundo: o argumentário da Sedes seria subscrito sem esforço por qualquer partido da Oposição, que não deixará com certeza de confrontar Sócrates com as opiniões da associação cívica no debate do estado da Nação. Dá-se, no entanto, a circunstância de muitas das críticas serem de tom bastante semelhante às usadas pelo "novo" PSD de Manuela Ferreira Leite. Exemplos: a "ênfase" colocada pelo Governo "nos investimentos públicos"; a "cedência à agitação social"; as "recentes baixas de impostos"; e a "declaração do fim da crise orçamental".
Acresce que, no documento, a associação chega mesmo a avisar Sócrates, num indisfarçável momento de provocação, que no PSD pode ter-se iniciado "um ciclo de estabilidade, condição necessária para a afirmação de uma alternativa". Tradução: Ferreira Leite é uma verdadeira ameaça para Sócrates. A isso junta-se ainda facto de os partidos à Esquerda do Governo estarem em "aparente crescendo" (valem cerca de 20% do eleitorado, de acordo com as últimas sondagens).
Terceiro e não menos importante facto. A demolidora análise da Sedes chega numa altura em que o presidente da República dá velados sinais de consonância com a primeira arma escolhida por Ferreira Leite: o custo das obras públicas.
Tudo somado dá o quê? Dá a primeira convergência de posições equilibrada e credível - e por isso mesmo politicamente muito relevante - visando José Sócrates desde que ele assumiu o cargo de primeiro-ministro.
O cerco aperta-se. E as condições para que se aperte ainda mais podem muito bem ser forjadas na crise económica e social que o país atravessa e atravessará nos próximos anos. Depois de um arranque cheio de fulgor, nada parece correr bem a Sócrates. Amanhã, no Parlamento, o primeiro-ministro terá uma verdadeira prova de fogo. Perceber-se-á que forças e argumentos lhe restam para enfrentar uma tormenta com várias frentes.