<p>Há dias, na TV, Adriano Moreira resumiu assim a crise que a Europa atravessa: «Faltam vozes confiáveis.» Mário Soares não se cansa de apontar a ausência de líderes consistentes. Se procurarmos no mundo, entre os líderes activos, aqueles a quem pudéssemos atribuir uma «voz confiável», só encontraremos dois: Barack Obama e Lula da Silva, cada qual à sua maneira e com as suas condicionantes.</p>
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A estratégia de Lula, se descontentou no início os seus mais entusiásticos apoiantes, mostrou-se eficaz para tirar milhões de brasileiros da miséria e até da pobreza sem necessidade de rupturas violentas e tornou o Brasil relevante no mundo. Mas Lula está a poucos meses de deixar o activo e sabe-se lá o que virá a seguir.
Obama abriu um horizonte de esperança. A verdade é que o seu discurso promissor está a sofrer o mais inescrupuloso cerco de asfixia montado pela direita e pela extrema-direita, política e religiosa, que não hesitam em recorrer à mais despudorada manipulação e desinformação, ressuscitando o pior obscurantismo fanático dos EUA.
Mas o pior ainda está para vir. Ou melhor, já começou a assomar. Para a sua grande reforma nos Estados Unidos - dotar o país de uma política de solidariedade social consistente - Obama precisou de apresentar o exemplo da Europa. Pois nesta Europa, onde não há vozes confiáveis, existe um cérebro muito, mas muito desconfiável - vá lá saber-se quem é e onde está, mas existe - que aproveitou (ou gerou) esta crise para, pura e simplesmente, destruir a Europa social, mesmo nos países de economia menos vulnerável.
Não tenhamos dúvidas: o que perdermos agora em solidariedade social nem os nossos netos recuperarão. A Europa social era o último vestígio do século XX. Dentro em breve, para economia de esforços, o século XX pode ser eliminado dos currículos da História: as ideologias, os conflitos de classe e de nações, as soluções sociais - tudo isso serão arqueologias.
Esse cérebro desconfiável impôs à Europa o chamado «governo económico», que nos impede de pedir responsabilidades a quem nos fez chegar aqui, para termos de nos concentrar em «como sair daqui», deixando não só os anéis como especialmente os dedos que podiam entrelaçar solidariedades.
«O que tem de ser tem muita força» é o lema do «governo económico». Mas o cérebro desconfiável que o criou sabe que «quem tem a força impõe o que tem de ser». Se este cérebro desconfiável que manda na Europa não é a direita e extrema-direita norte-americana, é o diabo por ela.
Estamos em maus lençóis. Como Obama.