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O verdadeiro mecenato não é caridade cultural de privados. Não se trata de um vínculo de domínio, como se o agente cultural fosse apenas um instrumento para aumentar a preponderância social de determinada empresa, nem é uma prestação de serviços. E não se substituí ao papel do Estado, o qual tantas vezes quer fazer mas não faz e - pior - não deixa fazer.
O verdadeiro mecenato, raro em Portugal com excepções mais do que honrosas (Fundação Millennium bcp, Fundação Calouste Gulbenkian, e por aí fora), cumpre uma função social que deve ser recompensada sem medos. Este país vive com muito medo: neste caso, medo de que os privados mandem na cultura e medo de que o Estado receba menos impostos, ou de que abra o flanco a criatividades fiscais sob pretexto de mecenato. E, com medo, aqui estamos nós, um dos países da Europa com menos mecenas.
O projecto de lei do PS para a revisão do estatuto do mecenato, iniciativa de Pedro Adão e Silva que foi aprovada no ultíssimo conselho de ministros do anterior governo, prometia um abanão num estatuto morto e em grande parte inútil. Vai-se fazendo mecenato apesar do estatuto, vai-se fazendo mecenato contra as limitações, ou à volta delas.
A proposta simplificaria o grande monstro da burocracia, nomeadamente quanto ao mecanismo para o reconhecimento formal do estatuto de mecenas, instituiria formas mais modernas de contribuição cultural, como o match funding, incluiria os artistas a título privado (um desgraçado de um pintor não pode vender um quadro ao abrigo do actual estatuto) e previa revisões a nível fiscal, além de prometer maior visibilidade para os mecenas.
Na sexta-feira passada, os partidos da AD, o Chega e o PCP chumbaram estas pretensões. Quanto ao Chega, chumbou o projecto de lei porque não incluía as touradas, pelo que, mais uma vez, esse partido pega os assuntos de cernelha só pelo gosto de subjugar o bicho. Não tem nada que ver com o bicho em si. Quanto aos partidos da AD, dizem estar a preparar uma proposta sua. Não se sabe quando, não se sabe em que termos.
Eu bem sei, como presidente da Fundação Eça de Queiroz, como algumas instituições precisam de mecenas como de pão para a boca. Talvez a AD venha a apresentar outra proposta, em todo o caso necessariamente muito parecida com esta, a não ser que reinventem a roda. Até lá, perdeu-se uma boa oportunidade.
O autor escreve segundo a antiga ortografia